A Última Lição é um filme importante para o tema “liberdade sobre o próprio corpo” levado para o aconchego do sub-gênero “filme para a família”, o que é uma coisa natural para a família francesa, mas anormal em boa parte do mundo. De qualquer forma, um filme que tenta se livrar dos preconceitos e analisar uma situação delicada com a sensibilidade que ela merece.
Tudo começa no aniversário de 92 anos de Madeleine. Cansada e já tendo preenchido sua lista de últimas coisas a fazer na vida (como dirigir), ela decide anunciar em sua festa, com toda a família presente, que irá desistir da vida. E com data marcada. Isso gera o silêncio e um distúrbio completo em todos que estão presentes, que até então pareciam estar completamente alheios à existência da velha senhora.
O que acontece em seguida é curiosíssimo. Parece que o luto de cada um dos familiares, filha, filho e neto, está exposto para todos verem. Acompanhamos o envolvimento de cada um com a amada vovó, enquanto também presenciamos que ela, de fato, está fraca demais, e que logo não poderá tomar conta de sua própria vida.
Ativista a vida toda pelos direitos da mulher, Madeleine naturalmente se sente deslocada quando seu próprio corpo para de responder ao seu ímpeto de viver em plena liberdade. A atuação de Marthe Villalonga, então, consegue conferir a doçura da terceira idade aliada a uma determinação lúcida, de quem entende o que está propondo, mas não finge que é uma decisão fácil, sabendo de antemão que ela própria sofreria ao ver a reação dos filhos, e até do neto mais velho, com quem em particular possui uma relação de cumplicidade.
E da mesma forma com que em um luto muitas pessoas não aceitem nunca a perda, ou aceitem só depois de muitos anos de sofrimento, a revolta dos que ficam nunca é vista pelos que já foram, mas nesse caso sim. E é doloroso, visceral, como o ser humano carrega tanto ódio e ressentimento por alguém que paradoxalmente tanto ama.
Porém, ninguém se aproximou mais de sua vida do que a filha, Diane. Interpretada com facilidade por Sandrine Bonnaire um papel não muito simples, Diane não parte rapidamente da tristeza e revolta para a resignação, passando por vários níveis de aceitação com sua mãe, no processo mais tocante de todo o drama. Acompanhamos aos poucos alguns flashbacks e vídeos da família no seu começo, quando Diane era apenas uma garota de tranças carregada nas costas da mãe. É inevitável que o filme queria sugerir a inevitável inversão de papéis, mas ao mesmo tempo que entende que cuidar dos pais quando velhos é um ato generoso, ele também entende que pior do que não respeitá-los é abandoná-los convenientemente em um asilo, para definharem longe dos olhos dos entes queridos. Quase como um móvel que alguém não usa mais, mas por algum valor afetivo não conseguiu se desfazer, deixa em um canto de um quartinho apenas para saber que está lá.
Nesse sentido, A Última Lição é um ótimo filme para pensarmos a respeito de quais os limites da nossa liberdade, e porque hoje é errado fazermos o que quiser com nosso próprio corpo, mesmo que isto magoe os que mais amamos, sendo que no fundo, ao não fazermos, magoamos a pessoa mais importante dessa vida: nós mesmos.
“La dernière leçon” (Fra, 2015), escrito por Laurent de Bartillat, Pascale Pouzadoux, dirigido por Pascale Pouzadoux, com Marthe Villalonga, Sandrine Bonnaire, Antoine Duléry, Gilles Cohen, Grégoire Montana