Acertando o Passo | Elenco britânico experiente faz valer o filme


Não costumo chorar em filmes, ou costumava; hoje em dia a ironia e o sarcasmo dos jovens tomou meu coração. No entanto, em Acertando o Passo o choro vem fácil e natural em pelo menos dois momentos, momentos que considero dignos de se expressar além da admiração intelectual: quando pessoas agem de maneira altruísta, e o motivo não é porque é o certo a se fazer, mas porque é de seu feitio, é o que forma sua personalidade. Enfim, é o que os faz seres humanos que vemos na tela.

E no caso desse filme não é muito difícil reconhecer a humanidade nessas pessoas. Com um elenco formado basicamente por pessoas mais maduras em uma reunião invejável da terceira idade de atores britânicos, enxergamos a vivência de seus personagens em seus olhos, na maneira leve ou pesada de levar a vida, nos comentários espirituosos dos homens, na maturidade refinada e auto-crítica das mulheres. No próprio movimento de seus corpos se expressando através da dança é possível olhar para suas almas agitadas, vivas. Mais vivas que qualquer jovem e suas ironias da vida online.

Sempre é uma grata surpresa observar velhos se comportando como gostaríamos de ser “quando crescer”. Nos torna, de certa forma, mais humildes comparando com o que já aprendemos. E esse elenco tem tudo para oferecer esta experiência em seu máximo.

Isto é algo curioso em um filme como esse, de fazer chorar e com uma infinidade de clichês, lugares comuns, um roteiro maquiado para nos levar onde queremos estar, custe o que custar (até na Fontana di Trevi em Roma!). Com cenas que quase sempre finalizam com uma gracinha, uma van cheia de velhos cantarolando “Rock Around the Clock” com o Big Ben iluminado ao fundo, seguido de um corte para uma das ruas de Londres no Natal cheia de gente observando dançarinos darem seu melhor para salvar idosos de morrerem de frio é ao mesmo tempo o mais clichê dos momentos e o mais doce deles, que aquece o coração e que nos traz uma esperança sobre o mundo impossível de descrever em palavras. Frente a isso, resta apenas dançar.

Esta é uma história comum que bate nas mesmas teclas. Uma dona de casa da alta sociedade (Imelda Staunton) descobre no dia de uma condecoração de seu marido bem sucedido que ele a trai há cinco anos com a melhor amiga. Ela se muda (ou invade) a casa da irmã, que mora sozinha, mas possui uma vida social agitada no clube de dança e com seus amigos. Logo, isso se transforma não apenas na história da esposa traída que redescobre a vida, mas também no drama particular de algumas daquelas pessoas.

Em especial de um senhor cuja esposa sofre de Alzheimer há cinco anos. Disposto a vender sua casa e viver em seu barco para custear o seu tratamento, ele vê a difícil despedida de alguém que não reconhece mais seu companheiro de toda vida. Felizmente ele consegue enxergar a dura realidade de que talvez seja melhor ele não visitá-la como de costume, pois isso a deixa desnecessariamente inquieta, e ela nunca se lembra. Imagine esse senhor como uma versão mais madura do personagem de Diário de uma Paixão.

Ele é interpretado por um ator veterano, Timothy Spall. Você deve conhecer ele pela série Harry Potter (ele é o Rabicho de O Prisioneiro de Azkaban), mas ele é Winston Churchill em O Discurso do Rei e recentemente foi ignorado em seu sensível papel em Sr. Turner (apesar do filme em si ter sido bem premiado). Mas aqui ele protagoniza pelo menos dois momentos impecáveis de um sujeito que entende que a morte de sua esposa com Alzheimer vem aos poucos, e que a hora de dizer adeus é ele que tem que escolher.

Enquanto isso a atriz Celia Imrie como a irmã diferentona, que nada no lago gelado, anda de bicicleta e não tem medo de viver (outro clichê), realiza uma participação extremamente vital para a felicidade de sua irmã, interpretada por Joanna Lumley (Late Bloomers – O Amor não tem Fim) com uma sincera dúvida sobre qual caminho tomar. Ela passou sua vida inteira à sombra de outra pessoa, sendo quem não é, e agora é preciso se resgatar de um passado longínquo, mas feliz. Todos esses papéis seriam tarefas ingratas se o elenco não fosse extremamente competente em nos deixar acreditar nessas pessoas mesmo elas puxando um estereótipo ou outro do cinto de ferramentas dos irregulares roteiristas Meg Leonard e Nick Moorcroft.

E por falar em irregular, o diretor Richard Loncraine, que vai de Wimbledon: O Jogo do Amor para Firewall – Segurança em Risco em menos de um piscar de olhos, é sempre um risco ambulante. Aqui ele é um poço de contradições, tentando unir comédia engraçadinha com drama intimista, e graças às atuações e à história minimamente funcional se sai maravilhosamente bem. Não assista seu próximo filme.


“Finding Your Feet” (RU, 2017), escrito por Meg Leonard e Nick Moorcroft, dirigido por Richard Loncraine, com Imelda Staunton Celia Imrie, Joanna Lumley, Timothy Spall.


Trailer – Acertando o Passo

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