Adoráveis Mulheres | Continua conversando com o século 21


[dropcap]A[/dropcap]doráveis Mulheres talvez seja um daqueles exemplos onde se reforça a ideia de que clássicos são clássicos e conseguem se encaixar em qualquer época que eles sejam lidos, adaptados, reformulados ou, nesse caso, refilmados. Bem verdade, Adoráveis Mulheres é um tipo de obra que já ganhou tantas adaptações que é difícil apontar para um ponto em comum entre elas.

Mas talvez essa nova adaptação do livro de Louisa May Alcott tenha um detalhe que o faz único e completamente diferente de todas outras versões: Greta Gerwig.

Parece exagero, mas não é. Gerwig assina não só a direção como o roteiro e faz com que essa história, que se passa durante o fim da Guerra Civil Americana, lá para o meio do século 19, seja moderna, contemporânea e relevante, mesmo com todos vestidos com armação a carruagens.

Por um lado, todas palmas para Gerwig, que consegue estruturar uma história originalmente muito mais melodramática e completamente linear em um esforço estético e estrutural que envolve essas irmãs em uma trama que, não necessariamente, deve ser seguida passo a passo, mas sim recorrendo quase a uma opção que beira a montagem de uma lembrança.

Na história, Saoirse Ronan é Jo, pilar espiritual do filme. Por mais que ele nunca desgrude das outras irmãs, é Jo quem está lá no começo ganhando a vida como uma escritora sem muitos limites morais, contato que possam valer o pagamento. É ela também que deixa essa vida em Nova York para voltar para o interior e cuidar da irmã doente, Beth (Eliza Scalen). Mas Adoráveis Mulheres se mistura com um próprio flashback que recua alguns anos no passado e mostra as duas e ainda Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh), completando o quarteto das irmãs March.

As quatro vivem com a mãe (Laura Dern) enquanto esperam o pai voltar da Guerra. Mas enquanto Adoráveis Mulheres consegue criar esse ritmo dinâmico e escapar de qualquer problema ligado a uma linearidade mais clássica, fica ainda uma pequena tristeza por ver o quanto é fácil relacionar os problemas das mulheres no século 19 com os mesmos desgastes que elas poderiam ter no século 21. Gerwig não moderniza a trama, o que é mais impressionante, mas consegue encaixar um discurso de empoderamento moderno, preciso e importante nessa história. Não que a obra original não a tenha, tem, mas fazer com que isso não seja datado é um esforço que vale o filme.

Adoráveis Mulheres não é sobre feminismo ou qualquer outro “ismo” que algum lunático misógino possa lhe acusar, Adoráveis Mulheres é sobre sonhos e a oportunidade de concedê-los a si próprio. Mesmo criadas diante de toda liberdade, cada uma das irmãs March tem um sonho, mas até mesmo o mais tradicional de uma delas, precisa passar pelo funil esmagador de uma sociedade que nega todos aqueles que não querem (ou não podem) se encaixar cegamente nela.

Jo quer ser uma escritora, Amy uma pintora, Meg atriz e Beth poderia ser uma pianista, a arte nelas é algo que as move, mas nem sempre para o caminho que lhes é permitido. E mesmo quando tentam desenhar seus próprios destinos, acabam esmagadas por um mundo que só se importaria com elas se seguissem os caminhos que ele lhes deu. Nas próprias palavras das personagens, se tornar um “ornamento para a sociedade” ou aceitar essa “proposta econômica” que envolve se permitir um casamento.

E tudo isso cabe ainda mais perfeitamente no filme de Gerwig graças a uma capacidade que a diretora tem de cria uma produção clássica, sem a tentação de ser moderna. O objetivo é óbvio, tratar a história do jeito que ela merece, mas sem perder a oportunidade de valorizar o que está ao redor dela. Gerwig tem uma direção elegante e firme, valorizando, tanto a história e importância narrativa do que tem em mãos, como ainda mostrando aos quatros cantos o ótimo trabalho de direção de arte que cria um filme lindo e visualmente inesquecível.

Um trabalho sensível e delicado que entende e dá espaço para todas ótimas atuações do filme. Sem forçar grandes diálogos ou monólogos lembráveis, apenas um grupo de ótimas atrizes fazendo seus trabalhos sem nunca entrarem em qualquer tipo de disputa ou egolatria.

Ronan é precisa, dinâmica e parece entender perfeitamente bem cada cena de sua personagem. Não apenas repetindo uma personalidade montada, mas sim percebendo a sensibilidade de cada momento. E ainda que sua Jo acabe sendo o maior destaque do filme, Florence Pugh (que você pode lembrar de Midsommar) faz um trabalho incrível na hora de separar sua Amy em três momentos completamente distintos de sua personagem. Além das duas, Laura Dern tem menos espaço, mas acaba com algumas das melhores frases do filme e deixa bem claro que está em um grande momento de retomada em sua carreira e não perde nenhuma oportunidade de se destacar.

E falando em destaque, Adoráveis Mulheres tem um elenco tão bom e afinado, que a pequena e ótima participação de Meryl Streep nem chega perto de eclipsar ninguém ao seu redor.

Talvez seja isso que também se destaque no trabalho de Greta Gerwig, essa capacidade de entender que existe um espaço para cada personagem, sentimento e até desafio cinematográfico. Quando em certo momento do filme ela constrói esse momento incrível onde dois instantes separados pelo tempo convivem juntos e provocam lagrimas por sentimentos diferentes, Gerwig está apenas dizendo que nada precisa ser uma única coisa.

Adoráveis Mulheres é inevitável, não tem muitas surpresas, mas entende perfeitamente bem o que quer e encontra espaço para tudo isso. Felicidade e tristeza podem fazer parte de uma mesma moeda, independente de para onde ela vire. Assim como o “final feliz” pode ser manipulado e entendido, dentro ou fora da história. Tudo encontra seu lugar nesse filme sensível e que extrapola o empoderamento feminino e se permite ser um filme inspirador para qualquer um que tiver disposto a sorrir, chorar e se empolgar com essas quatro mulheres lutando por seus sonhos.


“Little Women” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Greta Gerwig, baseado no livro de Louisa May Alcott, com Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Timothée Chalamet, Bob Odenkirkm, Chris Cooper e Meryl Streep.


Crítica do Filme – Adoráveis Mulheres

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