Anna | Um hamlet brutal e exposto


A inquietação de Heitor Dhalia é quase palpável em seus filmes. Como se existisse uma vontade de entender aqueles personagens por dentro através de algo visceral que os expõe. Anna, novo filme do diretor pernambucano é mais uma viagem a esse lugar escuro onde o ser humano chega em seu limite.

O filme acompanha os ensaios de uma nova adaptação de Hamlet, na verdade a segunda tentativa de Arthur (Boy Olmi) um diretor de teatro polêmico por sua relação violenta com os atores. No foco agora, um grupo de teatro de jovens atores cheios de esperança de estarem em meio à experiência de suas vidas. Ainda mais no meio disso está Anna (Bela Leindeker), disposta a ficar com o papel de Ofélia.

A relação do diretor com a atriz se torna violenta, obsessiva e abusiva, mas tudo diante de uma verdade poética devastadora, animalesca e sensorial. A câmera de Dhalia se entrelaça com esses corpos de um modo intenso e que busca o limite emocional desses personagens. Seus olhos passeiam pela câmera como se soubessem que podem mostrar ainda mais aquilo que não está sendo visto.

Anna está no campo do significado do olhar, não só nos gestos. Aos poucos os personagens vão se deixando levar por uma relação poderosa e que beira o animalesco. A fronteira entre o a aceitável e o brutal é quebrada muito antes do espectador perceber. É lógico que todo processo do diretor mergulha de cabeça no assédio moral, mas essa obsessão dele é o jeito como ele enxerga a arte como contraponto, como conflito. O objetivo dele é tirar seus atores daquele lugar onde eles estão, mas o foco do filme é entender até onde isso pode ir antes de se tornar apenas a violência pela violência.

O vislumbre do resultado nos palcos é lindo, mas por trás daquilo, nas sombras, está uma obsessão que destruiu seus atores antes de permitir que eles entrassem naquele palco. A pressão dessa ideia como algo normal cria uma sensação desconfortável e quase torturante. É nesse lugar que o filme de Heitor Dhalia quer chegar: o limite do espectador.

Anna é sobre entender o limite dessa arte, principalmente o quanto a personagem não está presa a esse ciclo em que a própria Ofélia está. Da descoberta de ser a escolhida, até a obsessão por um amor que demora a entende-lo. A Anna do filme quebra essa repetição, se torna mais do que a Ofélia, se torna ela e abandona a loucura de seu Hamlet para ele mesmo, decide que o choro de arrependimento sobre o caixão não é mais uma opção e prefere seguir com sua própria história, não com a história de um príncipe meio maluco e obcecado.

Heitor Dhalia observa essa obsessão, mergulha nela como se entrasse nessa dança brutal que sobrevive através da dor e de uma violência obsessiva. Seu Hamlet é sobre a solidão na plateia de um artista que prefere sacrificar a sua humanidade a falhar novamente na hora de enfrentar seus fantasmas. Shakespeare entendia que essa obsessão só tinha um destino possível, Dhalia também, mas em Anna, aceita que nem todo mundo precisa ser tragado por essa tragédia, algumas Ofélias ainda conseguem quebrar esse ciclo.


“Anna” (Bra, 2021); escrito por Heitor Dhalia e Nara Mendes; dirigido por Heitor Dhalia; com Gabriela Carneiro da Cunha, Naruna Costa, Nash Laila, Bela Leindecker, Tulio Starling e Boy Olmi


Trailer do filme – Anna

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