[dropcap]L[/dropcap]á pelo meio dos mesmos anos 90, Jonah Hill tinha exatamente a mesma idade de Stevie, vivido por Sunny Suljic. Portanto, é impossível pensar que Anos 90 (o filme), estreia de Hill nos longas, não é suficientemente autobiográfico para você se sentir parte daquilo.
Todos esses detalhes fazem de Anos 90 um filme único em sua sensibilidade. Muita gente irá até recorrer ao Kids como semelhante, tanto na forma, quanto nessa ideia do “coming-of-age” descolado do glamour de Hollywood. Assim como Kids, e talvez Aos 13, Anos 90 olha para um momento específico de uma geração sem medo de enxergar aquilo que realmente representava aqueles jovens, por mais triste e sem luxo que isso seja.
Filmado todo em 16mm, o que fica claro com o formato de tela apertadinho e a cara de caseiro, Anos 90 é então o retrato desse ponto que parece ser específico, onde um garotinho chegando na juventude, Sunny, tentando se enturmar em uma “galera do skate” que orbita uma loja. “Parece”, pois na verdade é o retrato bem específico de uma geração inteira que não conseguia se enxergar nos espalhafatosos anos 80 e, muito menos, enxergava a possibilidade de estar no mundo engomadinho que viria na sequência.
Hill, assim como essa geração inteira, viu nas rodinhas do skate, no tênis batido e na camiseta largada o único lugar onde era possível se sentir seguro e não mais sozinho. Sunny, assim como diversos meninos (e talvez o próprio Hill), vinham de famílias desestruturadas, que tropeçavam e eram ignoradas por uma sociedade que não estava mais interessada em quem não fazia parte dos padrões socioeconômicos do período. Uma classe média relegada, mesmo dentro das grandes metrópoles e que em nada se parecia com aqueles gramados aparados do John Hughes.
Esse retrato dos anos 90 é então uma viagem a pequenos momentos com grandes significados da passagem desse garoto, não para a vida adulta, mas sim para esse momento nebuloso que precede a responsabilidade com seu futuro. Onde os sonhos ainda podem ser o combustível da realidade e o que vem a seguir não precisa ser necessariamente programado.
Quase documental e extremamente verdadeiro, Anos 90 procura o sorriso de Sunny ao conseguir andar de skate, quando foge da polícia pela primeira vez, ou até quando “descobre as meninas”. Tudo é novo, mas tudo é tão maravilhoso que, muito provavelmente se tornará as principais e mais inesquecíveis lembranças desse garoto. O êxtase vem com a primeira manobra sobre o skate e a câmera de Hill está lá para ver isso, de longe, quase como um observador impessoal para não atrapalhar esse momento tão único. Uma busca incessante pela importância dos pequenos momentos, desses pequenos sorrisos na vida desse jovem.
E se em certo momento Anos 90 parece pender para um drama familiar até meio pesado e isso soa raso, talvez a intenção seja entender o quanto por trás de todo mundo há sempre um mundo que o joga naquela situação. Um contraponto entre as divertidas conversas desconexas e malucas desses jovens, mas que são, na verdade, uma válvula de escape de suas dores em casa, perdas, pressões e indignações. Não existe um sem o outro e quando isso acontece de repente é apenas para lembrar que na vida real ninguém ensaia nada, tudo simplesmente acontece.
Hill busca com isso aquele silêncio constrangedor do fim da inocência, não apenas uma reviravolta óbvia, mas sim apenas o olhar perdido na beleza de enxergar a mudança. O resultado é um filme sobre skate, mas também sobre liberdade e a possibilidade de descobrir quem você realmente é. Um trabalho de um diretor iniciante, mas que consegue fazer o que muitos diretores de cinema com vários filmes na bagagem não chegam nem perto de fazer: transformar imagens em sentimentos.
Anos 90 é esse filme que irá ser quase um tratado para quem viveu o período, mas também funcionará para quem não teve contato com nada daquilo. Afinal, contar uma história tão pessoal, próxima e sensível, uma em que qualquer um irá se identificar com esses personagens, situações e primeiras vezes.
“Mid90s” (EUA, 2018), escrito e dirigido por Jonah Hill, como Sunny Sujic, Katherine Waterston, Lucas Hedges, Na-Kel Smith, Olan Prenatt, Gio Galicia, Ryder McLaughlin e Alexa Demie