Aqueles Que Ficaram | Pseudo Lolita, mas sem coragem de sê-lo


Aqueles Que Ficaram acaba sendo um bom filme mesmo abrindo tantos caminhos dramáticos e nunca se aprofundando em nenhum. Sua ambiguidade no relacionamento-chave entre um quarentão viúvo melancólico e uma adolescente carente e traumatizada vai sendo alimentada com vácuo em sua menos de uma hora e meia de duração. A consequência é você se esquecer dessa história assim que pisar o primeiro pé para fora do cinema.

Adaptado do livro de Zsuzsa F. Várkonyi por dois roteiristas, e você pode sentir a cisão temática entre duas mentes trabalhando no mesmo conteúdo, este é o filme húngaro escolhido para representar o país no Oscar de 2020, e por isso fez campanha pelo mundo.

Mas sobre isso tudo, Aqueles que Ficaram é sobre a vida dos judeus que sobreviveram ao Holocausto em um país pós-segunda guerra cercada pela Rússia comunista e seus agentes que usam a melhor hora da noite para fazer pessoas desaparecerem. Para a época a emoção exibida no filme se mantém tão fechada entre quatro paredes que é como se toda a catarse de ter perdido a família e quase ter perdido a vida silenciou aquele povo e restringiu ainda mais as regras sociais.

Embora o pano de fundo seja histórico, o filme dirigido por Barnabás Tóth adquire um tom de telenovela por sempre nos mostrar a realidade apenas sob o ponto de vista estreito da vida que começa a ser compartilhada entre Körner Aladár, um ginecologista que vivia sozinho e dividia seu tempo entre o consultório e tentar ler os livros de medicina em alemão que tem disponível, e a jovem Wiener Klára, uma adolescente brilhante, mas traumatizada pelos pais desaparecidos. Ela ainda acabou de chegar no seu período fértil, ao mesmo tempo o símbolo da vida e sinônimo de hormônios obcecados por uma figura paterna, figura essa no sentido mais freudiano possível, embora o filme insista em velar isso.

Na grande maioria do tempo você irá pensar que esta poderia ser uma refilmagem de Lolita para judeus por causa da atuação de Abigél Szõke, como uma garota de 16 anos que apesar do fato de estar traumatizada esbanja vida frente à tela, o que se reduz em falar muito e demonstrar sua curiosidade pela vida, mas acaba sendo expansiva de qualquer forma comparada com o mundo onde vive, escuro e cheio de cores pastéis, pintado pelo fotógrafo Gábor Marosi, que parece ter capturado apenas a essência do outro personagem, o médido vivido por Károly Hajduk com uma melancolia entediante e um distanciamento tão respeitoso que soa como um guia de como adultos devem se comportar na presença de garotas traumatizadas pela guerra.

O fato é que o mundo do politicamente correto parece petrificar certos assuntos na arte que considera tabu, ainda que em outros, como religião, seja o bastião do progressismo. Aqueles Que Ficaram se esforça muito mais em conter sua tensão sexual do que em explorá-la. O filme inteiro é um pedido de desculpas por ter que abordar esse tema com esses personagens. Haveria uma maneira melhor de pedir desculpas: esquecer essa história e não filmá-la.

A música de László Pirisi acompanha o tom telenovelesco pedido pelo seu diretor, e se esquece de soar pelo menos interessante. Ele comenta sentimentos que não vemos, em uma fórmula de começo, meio e fim que apenas escancara a gigantesca artificialidade da narrativa, que pula de um ponto a outro burocraticamente, como que um guichê comunista a carimbar todos os protocolos para se chegar a uma relação paterna construída “naturalmente”. E no final Körner recebe o direito legal de abraçar Klára.

A dor implícita de cada um dos sobreviventes em Aqueles Que Ficaram nunca se torna o assunto tratado no filme, e por consequência a relação pai/filha da dupla de atores sempre soa estranha e distante. Isso porque aquelas pessoas não estão verdadeiramente ali. São sombras de um passado sombrio tão fresco e um futuro ameaçador tão pesado que se tornaram projeções de um filme dentro de um filme.

A única saída vista por Barnabás Tóth para seu filme conseguir contar uma história que não seja sobre a guerra ou o comunismo nessa época é se esquecer que seus personagens poderiam ser pessoas de carne e osso. E isso ele consegue muito bem.


“Akik Maradtak” (Hun, 2019); escrito por Klára Muhi e Barnabás Tóth; baseados no livro de Zsuzsa F. Várkonyi; dirigido por Barnabás Tóth; com Károly Hajduk, Abigél Szõke e Mari Nagy.


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