Argentina, 1985 (2022) | Crítica do Filme

Argentina, 1985 | Obrigatório, mesmo com suas falhas

Mesmo não sendo incrível e falhando em vários momentos diante de um ritmo truncado e quase disperso, Argentina, 1985 é quase obrigatório. Tanto para os argentinos, quanto para os brasileiros, também conhecido como os “vizinhos que não fizeram o que deveria ter feito”. O Brasil não soube o que fazer com seus terrores, mas agora tem a oportunidade de dar uma olhada naquilo que poderia ter sido feito, mesmo que através da “lente da ficção” de um filme.

E os argentinos foram rápidos, assim como entraram para a história. A ditadura argentina acabou em 1983 para em 1984, pela primeira vez na história do mundo depois do Julgamento de Nuremberg, um grupo de pessoas responsáveis por uma ditadura ser julgado por Crimes Contra a Humanidade. Argentina, 1985 é sobre isso.

Mais precisamente sobre o promotor Julio César Strassera (Ricardo Darín), indicado para comandar o caso e responsável por investigar e apresentar provas contra a junta militar que governou o país durante a ditadura, incluindo a alta cúpula e até um ex-presidente. E por mais que o filme tenha espaço para outros personagens, como seu parceiro de acusação na promotoria, Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani), o filme é sobre Strassera.

É lógico que é sobre o julgamento, mas o roteiro do próprio diretor Santiago Mitre em parceria com Mariano Lilinás e Martín Mauregui decide se colocar nessa posição onde Strassera precisa equilibrar não só a vontade de fazer a justiça, como a responsabilidade e o perigo de enfrentar o horror que o país passou. Por isso que o filme não começa com o julgamento ou com uma reviravolta, mas sim com uma apresentação bem-humorada e certeira do advogado e sua família. Da sua paranoia até do medo de ter que enfrentar essa responsabilidade. Ainda que a história então rume para mostrar alguns casos horrorosos e violentos de vítimas da ditadura, sua humanidade está na sala de estar de Strassera.

Uma opção que faz um bem incrível para o filme e ajuda o espectador a passar com mais facilidade por alguns momentos clichês e até lentos, mas que sempre podem recorrer à humanidade do protagonista e um senso de justiça, burocracia e revolução que parecem se espremer por baixo do penteado preciso e da gravata alinhada. Tudo isso sob mais uma atuação incrível de Darín, que parece emprestar uma verdade incrível para qualquer personagem que faz.

Mas sobre qualquer coisa, Argentina, 1985 é aquele chamado “filme de julgamento”, com tudo que tem direito, das epifanias dos advogados, reviravoltas, acusados que parecem ter mais chances de vencer, vítimas com testemunhos emocionantes e um texto que surge na tela falando sobre alguns detalhes que ficaram de fora e o futuro de alguns personagens. Portanto, existe um público que adora esse tipo de “filme de gênero” e vai se esbaldar em cada cena.

E a precisão do filme é tão grande na hora de ser esse “filme de gênero” que se deixa ir pouco para fora do fórum. Vai quando é necessário, expande um pouco a trama envolvendo Ocampo e a equipe de advogados que ajudam no caso, mas nunca se perde olhando para o relacionamento de ninguém fora do julgamento, a não ser da divertida, inteligente e repleta de ótimos diálogos, família de Strassera.

E talvez aí esteja o principal acerto de Argentina, 1985: o bom gosto. Mitre sabe exatamente o filme que quer ter em mãos no final e faz isso com precisão e sem nunca se emocionar com as possibilidades de extrapolar seu material.  Argentina, 1985 sabe rir quando precisa, é claro nos momentos que lida com as complicações legais e nunca, em situação nenhuma, humaniza os acusados. Todo tempo os senhores fardados e alinhados são vistos como um vilão distante, com olhares violentos e uma sombra de maldade que cai como uma luva nessas figuras patéticas.

Mitre quer preparar o filme para o discurso final de Strassera, o momento onde ele poderá resumir as barbaridades cometidas por esses monstros que usavam de seu poder e posição para suprir um sadismo estruturado através de desculpas ideológicas que tinham como único objetivo a perpetuação de um poder podre e corrupto. Mitre quer que o “nunca mais” preso na garganta seja livre para inspirar. Ainda mais diante de um momento tão delicado quanto o de hoje, tanto na Argentina, quanto no Brasil e no mundo inteiro.

O “nunca mais” nunca foi tão importante de ser repetido. E se Argentina, 1985 servir para as pessoas pensarem nesse assunto, o filme pode se considerar um sucesso em tudo aquilo que ele se propõe.

E como um texto no final dos créditos dessa crítica, a ditadura no Brasil durou três vezes mais do que a da Argentina, mas com o intuito de permitir que os presos políticos e exilados pudessem mais uma vez serem livres depois do Ato Institucional Número 5, foi oficializado em 1979, durante um processo de abertura democrático, a Lei da Anistia. Uma faca de dois gumes que também perdoava os crimes cometidos por membros das forças armadas. Somente em 2011 o Brasil teve a oportunidade de exorcizar seus fantasmas com a Comissão Nacional da Verdade, que não tinha poder judicial algum, já que entraria em conflito com a Lei da Anistia, mas tentava pelo menos esclarecer.  O resultado final contou a história de 434 pessoas que desapareceram no Brasil durante, não só a ditadura militar brasileira, mas também o regime de exceção comandado por Getúlio Vargas durante os anos 40.

Se tudo der certo, “nunca mais”, tanto lá, quanto por aqui.


“Argentina, 1985” (Arg, 2022); escrito por Santiago Mitre, Mariano Llinás, Martín Mauregui; dirigido por Santiago Mitre; com Rodrigo Darín, Gina Mastronicola, Santiafo Armas Estevarena, Carlos Portaluppo, Norman Briski e Peter Lanzani


Trailer do Filme – Argentina, 1985

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