Armageddon Time (2022) | Crítica do Filme

Armageddon Time | Simplório e cai na própria armadilha

Algumas narrativas tão batidas, tão rasas conseguem atingir a audiência por falar coisas extremamente óbvias que trazem um tipo de conforto para o público-alvo: o alívio por saber que “eu não sou assim” ou “eu concordo que isso é errado” pode ser a chave para o sucesso. Foi o caso de Green Book (que chegou a conquistar o Oscar de melhor filme), e é o caso deste Armageddon TIme: um filme sobre racismo feito por pessoas brancas, para pessoas brancas, que faz o público se comover e se sentir bem depois da sessão.

Escrito e dirigido por James Gray e inspirado nas experiências da juventude do próprio cineasta, o longa ainda tem o “bônus” de se passar nos anos 80, ou seja, em um período que faz com que a audiência se distancie ainda mais do que está na tela: “hoje em dia as coisas são muito melhores!”. Não vou insultar a inteligência dos leitores deste texto pontuando tudo o que mostra que, de muitas formas, as coisas não estão tão melhores assim — basta pensar nos exemplos cotidianos de racismo por parte da polícia, e não apenas nos Estados Unidos. Ou no Brasil, que tem um dedinho neste filme, graças ao produtor Rodrigo Teixeira.

Apresentando uma visão bastante romantizada e nada aprofundada das questões que retrata, Armageddon Time acompanha o garoto judeu Paul Graff (Banks Repeta), que vive em Nova York com os pais (Jeremy Strong e Anne Hathaway) e o avô (Anthony Hopkins), e passa grande parte de seu tempo com seu melhor amigo, Johnny (Jaylin Webb), um garoto negro que estuda na mesma sala que ele. Dotado de uma “rebeldia” irritante, a frágil tranquilidade do lar de Paul começa a ruir conforme ele e Johnny começam a cometer pequenos atos de insubordinação, como fugir durante uma excursão da escola.

E é a partir desses pequenos atos de insubordinação que Paul se dá conta de que, quando ele e o melhor amigo são pegos, Johnny sofre uma retaliação muito mais severa do que ele. Ok, é compreensível que um pré-adolescente branco dos anos 80 precise aprender isso; o problema é que, a partir daí, o filme se torna uma série de “lições” sobre como uma pessoa negra é criminalizada enquanto uma branca que faz a mesma coisa, no máximo, escuta um “ei, não faça isso de novo!”, sem jamais parecer que alguém está realmente absorvendo o aprendizado — nem mesmo o próprio James Gray, que já no terceiro ato chega a conclusão de que determinado ato não foi penalizado por conta de uma amizade com uma figura de poder, e não por causa… da branquitude.

Armageddon Time | Simplório e cai na própria armadilha

E mais: o filme ainda abraça um dos pontos que se propõem a criticar: se antes da amizade com Johnny, a rebeldia de Paul se limitava a perturbar os pais (de uma forma que o longa parece julgar engraçadinha, mas é apenas irritante), ele começa a ir além em suas transgressões incentivado pelo garoto negro, como se este fosse responsável por colocar o menino branco “em apuros”: Johnny oferece drogas a Paul, conhece um vendedor de itens roubados, foge de casa… Caindo, dessa forma, nos estereótipos que Gray parece não ser capaz de perceber de forma aprofundada, reforçando ainda mais a superficialidade do longa.

Os personagens também não ajudam nisso: qualquer envolvimento que possamos ter com eles, qualquer aprofundamento que demonstrem, é fruto quase que unicamente dos atores, não do roteiro. Enquanto o Irving de Jeremy Strong apresenta uma agressividade que o longa escolhe pincelar com momentos acolhedores e é pintado como um sujeito que só quer o melhor para a sua família e sufocado pela pressão de ser melhor que o pai da esposa, sendo mais ou menos violento de acordo com o que roteiro necessita em cada momento, a Esther de Anne Hathaway surge como uma mãe determinada que é descartada da trama depois de “cumprir seu propósito”. Já o protagonista, mesmo tendo uma personalidade irritante, só consegue encantar o público em algum nível graças ao carisma de Banks Repeta. E Anthony Hopkins, bem, é Anthony Hopkins.

Um discurso declamado em uma escola particular por Maryanne Trump (irmã de Donald Trump, e vivida aqui por Jessica Chastain) reflete aquela que parece ser a única mensagem mais profunda (pois é) de Armageddon Time: Maryanne afirma que aqueles alunos serão a elite da sociedade, aqueles que conseguiram um lugar na mesa. Ao contrário do que ela proclama, porém, eles não precisarão de esforço algum para isso; chegarão lá por causa de seus sobrenomes, de suas heranças, de sua cor.

O longa entende bem isso, ainda que Gray beneficie-se da mesma coisa: simplesmente por ser um homem branco, terá seu filme extremamente simplório sobre questões raciais aplaudido salas de cinema afora. Entender que “o mundo não é justo”, como conclui Irving, é a grande lição — fazer algo sobre isso talvez seja esperar demais.


“Armageddon Time” (EUA, 2022); escrito e dirigido por James Gray; com Banks Repeta, Jaylin Webb, Anthony Hopkins, Anne Hathaway, Jeremy Strong e Andrew Polk.


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Trailer do Filme – Armageddon Time

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