Em minha crítica sobre Pica-Pau: O Filme, falei sobre como o longa menospreza a inteligência de seu público-alvo e oferece uma produção que não consegue agradar nem crianças nem adultos. Pois As Aventuras do Capitão Cueca: O Filme mostra que é possível fazer isso ao contar uma história orgulhosamente voltada para os pequenos. Confiante, espalhafatoso e barulhento, o longa tem em seu humor contagiante seu maior trunfo.
George (voz na versão original de Kevin Hart) e Harold (voz de Thomas Middleditch) são melhores amigos desde o jardim de infância, onde se tornaram próximos pelo fato de dividirem o mesmo senso de humor: escatológico, bagunceiro e fã de pregar peças nos outros. Eles passam as tardes criando os quadrinhos protagonizados pelo Capitão Cueca ¿ George escreve, Harold desenha. “É como se fossemos a mesma pessoa, mas tão, tão diferentes”, George declara em certo momento. A amizade dos dois é a base de Capitão Cueca, pois a alegria que eles sentem por serem melhores amigos e por rirem das mesmas coisas é contagiante.
O diretor David Soren, que assina o roteiro ao lado de Nicholas Stoller, sabe que muitas das piadas que vemos aqui não são tão engraçadas ¿ afinal, é a mente de dois garotos do ensino fundamental que guia o tom da história. Assim, o filme entende que o público nem sempre vai rir daquilo que faz seus protagonistas rirem, mas sempre vai rir das reações da dupla e do entusiasmo que George e Harold sentem por tudo aquilo. Isso sem falar na carga de drama que as imaginações fertéis dos dois trazem a diversos momentos, como uma canção sobre a liberdade de um dia sem aula que é interrompida por uma feira de ciências ¿ as crianças chegam à escola marchando como soldados hipnotizados e são recebidas por uma chuva torrencial ¿, ou quando os garotos tentam imaginar como a amizade dos dois se desenrolaria caso não estivessem na mesma turma (“Relacionamentos a distância não dão certo!”), rendendo uma cena protagonizada por fantoches que é uma das mais criativas e eficientes de Capitão Cueca.
O personagem-título, aliás, nasce de uma observação astuta dos meninos: já que tantos super-heróis parecem usar suas cuecas por fora do uniforme, por que não criar um cujo traje seja exatamente uma cueca? Assim, o senso de humor que envolve o longa está perfeitamente alinhado com sua própria premissa, tornando-o coeso e confiante. O Capitão Cueca nasceu nos livros escritos por Dav Pilkey e, aqui, tem sua origem contada. O diretor da escola em que George e Harold estudam, o Sr. Krupp (voz de Ed Helms), é a antítese de tudo o que os estudantes valorizam: incapaz de entender uma única piada, controlador e disposto a estragar qualquer coisa que faça seus alunos felizes, inclusive o programa de artes da escola ¿ o que o torna um verdadeiro vilão, e não apenas um “adulto chato”. Assim, ele é o alvo perfeito para as inúmeras peças que a dupla adora pregar nele e em outros professores. Até que, para sair de uma enrascada com o diretor, George e Harold desesperam-se e tentam a única saída em que conseguem pensar: George hipnotiza Krupp com um anel que veio de brinde em uma caixa de cereais. Para surpresa de todos, a ideia dá certo e, então, os dois decidem fazer Krupp acreditar que é o Capitão Cueca.
A partir daí, a trama se desenrola e passa a envolver privadas gigantes, um insano professor de ciências e uma máquina capaz de destruir a parte do cérebro que nos faz rir. Capitão Cueca conta sua história sem um pingo de cinismo, apenas pura empolgação, colocando-nos na mente de duas crianças criativas que enxergam o mundo por esse viés. Soren ainda consegue fazer uma crítica eficiente ao sistema de ensino norte-americano com seu retrato de uma escola sem vida onde expressões de individualidade são condenadas tanto nos alunos quanto nos professores.
Tecnicamente falando, o filme encontra-se talvez um pouco abaixo de outras animações recentes da Dreamworks, como O Poderoso Chefinho, mas consegue estabelecer bem seu universo colorido e frequentemente inverossímil (já que muito do que vemos é resultado da imaginação de George e Harold, como quando vemos o vilanesco professor de ciências recebendo um “Prêmio Nobel por Inventar Coisas”). Entretanto, algo que incomoda na versão brasileira é a inconsistência em alguns detalhes, como os pôsteres “motivacionais” no escritório de Krupp, que ora aparecem com os dizeres originais, em inglês, ora traduzidos para o português. A dublagem, por sua vez, é competente, mas há um erro de tradução incômodo logo no início do filme, quando o gibi que conta as origens do super-herói, subtitulado “The Origin Story”, é chamado de “a história original”.
De qualquer forma, As Aventuras do Capitão Cueca: O Filme é um longa envolvente e divertido, mostrando os resultados eficientes que podem ser alcançados quando os estúdios responsáveis por filmes infantis demonstram o mínimo de respeito por seu público-alvo.
“Captain Underpants: The First Epic Movie” (EUA, 2017), escrito por Nicholas Stoller e David Soren a partir dos livros de Dav Pilkey, dirigido por David Soren, com as vozes (no original) de Kevin Hart, Thomas Middleditch, Ed Helms, Nick Kroll, Jordan Peele e Kristen Schaal.