Ask to Get Out!

Sobre uma discussão que vem rolando na internet nos últimos dias, será que você ai em sua casa precisa que tantos filmes cheguem aos cinemas em cópias dubladas? Ou melhor, será que você realmente quer que o áudio original das produções, cada vez mais, sejam ignorados em grande parte dos cinemas do Brasil?

Para ambas as perguntas, a resposta é não!

Logo de início é difícil de entender como alguém em sã consciência pode defender que um ou outro filme chegue ao Brasil com um número muito grande de cópias dubladas, muito menos que algum filme chegue com menos cópias legendadas. E não venha com defesas furadas como analfabetismo, sendo que esses próprios não devem estar nem ai para essa discussão, já que, provavelmente (por razões culturais e monetárias), não têm o mínimo interesse em pagar R$18,00 para ver um filme em um shopping.

de Bruce Willis a Terence Hill, passando pelo Lion-O, todo mundo no mesmo balaio.

É lógico que certas iniciativas ainda devem existir, como levar cinemas ambulantes para locais de menor renda e até sessões com desconto para quem quer descobrir o cinema etc. (e nesse caso a dublagem pode ser um caso a se levar em conta), mas colocar essas mesmas pessoas nessa equação é desvirtuar o assunto. Quem não quer filmes com legenda no cinema é abastado e sofre de uma doença chamada preguiça. Preguiça o suficiente para nem ao menos entender que o áudio do filme faz parte dele.

Você ai, que não quer ter o “trabalho” de ler aquela legenda (ou que lhe falta capacidade intelectual) pense comigo, em algum lugar de Hollywood, todo ano, um grupo de profissionais (difícil ser só uma pessoa) é premiado com uma estatueta careca e dourada (essa você conhece, por que, anualmente, tem alguém para fazer tradução simultânea ao vivo) por algo chamado mixagem de som. Os caras então são reconhecidos como uma sumidade dentro da indústria cinematográfica, eis então que esse filme chega ao Brasil para estrear no cinema e dois estagiários de alguma companhia de traduções e legendagem podem “dar sua cara” àquela mixagem.

Lógico que não pretendo com isso tirar qualquer mérito das empresas dubladoras e suas “versões brasileiras”, que por sinal fazem um ótimo trabalho (sem morde e assopra!), mas sim lembrar que quem vai ao cinema, vai em busca do pacote completo, da experiência do jeito e do modo que ela foi pensada, produzida e finalizada. Por uma lógica meio deturpada, seria o mesmo que dublar em inglês e legendar um filme nacional só por que uma parcela da sociedade prefere ler “as letrinhas”.

Se você não gosta de legenda, provavelmente não se importa com a totalidade artística do filme que está vendo, deve ainda pouco se importar com o tamanho da tela de cinema, com a inclinação das poltronas ou com o som, deve também pouco se importar em ver aquele lançamento dos cinemas por vias bucaneiras de uma cópia de R$5,00. Uma novidade para essas pessoas é ainda o advento de um disquinho popular chamado DVD que vem com as opções de áudio original ou dublado, além de, é claro, encontrar na TV aberta todo conforto do Bruce Willis falando com a voz do Dustin Hoffman.

E isso ainda prova que nem as dubladoras ficariam sem emprego, já que todo filme que chegar ao Brasil ainda passará por suas mãos, mostrando então que nessa equação toda, só quem não acaba feliz é o coitado que quer ouvir todas nuances, todos os detalhes (assim como o esforço) de um ou outro ator para carregar um sotaque, balbuciar suas últimas palavras, assoprar uma declaração de amor ou gritar até estourar seus pulmões para fazer que seu personagem viva aquele momento e faça com que o espectador viva com ele aquela experiência.

Em exemplos extremos, é difícil acreditar que algum dublador brasileiro consiga repetir o enorme esforço vocal de Marlon Brando em O Poderoso Chefão, não por demérito, mas por que estamos falando de uma das melhores atuações da história do cinema. Do mesmo jeito que em situação nenhuma se conseguirá alcançar o poder da reverberação mecânica de James Earl Jones na voz de Darth Vader em Star Wars.

Mas não fique só desse lado, olhe para o outro, imagine o quanto um gringo qualquer deve perder com a dublagem de monstros como Oscarito, Mazaropi e Grande Otelo, três exemplos de vozes marcantes e que compõe a seus personagens muito mais que meios de dizerem diálogos. Ou mais recentemente, imagine a sensacional sequência do treinamento do BOPE em Tropa de Elite falado em inglês, sem todo maneirismo vocal que Wagner Moura empresta a seu Capitão Nascimento (“Ask to Get Out”?).

Então, pense nisso antes de achar legal o filme estar dublado no cinema, pense nos dois lados dessa moeda, talvez até chegue a entender por que Hollywood prefere gastar dinheiro com direitos, comprar uma obra estrangeira e refilmá-la ao invés de apostar em dublagens (já que americano não está acostumado a legendas). Bom, essa última afirmação pode não ser a mais correta, já que Hollywood quer mesmo é dinheiro, mas ainda assim, em um mundo utópico, ela serviria para o assunto.

“Mas e as pessoas com deficiência visual que querem ir ao cinema e não falam a língua original?” perguntaria você, meu (no singular mesmo) incauto leitor, e eu responderia: E o deficiente auditivo, que, muito provavelmente, deve freqüentar os cinemas muito mais que o deficiente visual, será que ele não merece então mais respeito. Analfabetos, deficientes visuais ou pessoas sem a capacidade intelectual de acompanharem as legendas, não se preocupem (principalmente o terceiro exemplo, já que não acredito que os dois primeiros estejam nessa briga) o cinema ainda teria um número pequeno de cópias dubladas, além da TV, DVD (Blu-ray idem) e ainda certeza de que nenhum dublador seria ferido ao final desse texto.

Por isso tudo e, principalmente para as distribuidoras que, aos poucos, estão caindo nessa armadilha e se tornando as vilãs da história (por pura burrice e desconhecimento técnico) parem já com essa história de cópias dubladas e dêem à pré-adolescência (pós-infância) de hoje aquele prazer que eu, e muitos outros da minha geração, tiveram ao entrar em uma sala de cinema com o orgulho de ver nosso “primeiro filme legendado”, ainda que naquele momento tenhamos deixado fugir metade do filme, mas que, ali se tenha a certeza de ter a experiência completa de imersão nesse mundo maravilhoso que é o cinema.

PS: e isso tudo por que nem entrei no mérito das dublagens equivocadas de atores nacionais sem a mínima experiência, já que ai a discussão acabaria antes mesmo de começar

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