A cena de Athena mostra manifestantes em cima de uma ponte com fumaça.

Athena | Cruel porque é verdadeiro… e vice-versa.

O nome Gravas no pôster de Athena pode dar uma dica do que está por vir. E mesmo que quem assine não seja o Costa-Gravas, mas sim seu filho, Romain Gravas, está ali uma vontade de enxergar o mundo através da ótica de uma realidade cruel e política. Onde as soluções não são fáceis… e muito mais ambíguas do que parecem.

Acrescente a isso ainda a presença de Ladj Ly, diretor do recente Os Miseráveis, no roteiro junto com Romain e Athena se torna um caldeirão prestes a explodir. Um daqueles filmes que não deixam o espectador respirar enquanto os créditos iniciais não sobem. Mas esse ritmo completamente ligado à uma necessidade de fazer as pessoas pensarem sobre aquilo. Mais ainda, uma espécie de “anti-desobeciência civil” que parece cada vez mais perfeita para retratar os dias atuais.

Para os Gravas (pai e filho), Ly e mais um monte de gente, enxergar um mundo onde apenas o opressor sai impune não deveria ser uma opção. O segredo de Athena não é discutir isso de um jeito simples e fácil, mas sim fazer o espectador tomar um caminho onde a verdade ainda é mais violenta e perigosa, mas são os peões dessa guerra que levam a pior. A última cena de Athena não se permite ser explosiva, mas sim mostra que o “ovo da serpente” não só chocou, mas já está até enchendo o mundo de novos ovos.

E isso não é um spoiler, mas sim um alerta!

Talvez Athena também seja um alerta e para isso parte de um ponto simples, a morte de um garoto, morador de um conjunto habitacional que também batiza o filme em tons clássicos. O monte de prédios amontoados parecem juntar, não só uma classe periférica da cidade, como também grande parte de moradores muçulmanos. Portanto, um lugar perfeito para um número infinitos de preconceitos.

De um lado da morte do menino, o irmão policial Abdel (Dali Benssalah), do outro Karim (Sami Slimane), liderando um grupo de moradores do conjunto que fecharam o local e desafiaram a polícia a entregar a eles o responsável pela morte do jovem. O resultado disso é uma espécie de guerra que resvala em tons quase medievais, mas tem intenções bem modernas.

Romain opta não só por trazer do pai essa vontade quase documental de estar na cena, como ainda acrescenta uma experiência técnica que não para de impressionar a cada cena longa e sem corte. E podem acreditar, elas são longas, complicadas, cheias de efeitos, coreografias e movimentos de câmera que vão impressionar, não só os mais atentos, como qualquer um que der play no filme (que é uma produção da Netflix).

A cena de Athena mostra Samil Slimane junto a outros revolucionários em Ahtena. Um Dois deles carregam bastões, alguns estão de touca ninja e outra está arremessando um banco de ferro.

A cena de abertura, que junta em um mesmo take a apresentação dos dois irmãos, uma invasão à delegacia e uma perseguição pelas ruas com a câmera trocando de carro, termina com um passei pelo próprio Athena. Quem não ficar impressionando com isso, é melhor parar de ver filmes.

Esse ritmo frenético não para, as situações vão aparecendo, a narrativa se estende para o policial Jerôme (Anthony Bajon) e ainda um terceiro irmão da vítima, traficante e tentando esconder um carregando de drogas em meio ao tumulto. Tudo muito bem encaixado e sem nunca deixar aquela impressão de enrolação ou desculpa para um plano longo sem significado. É lógico que o diretor tem intenções estéticas e poderia aplicar alguns cortes, mas sem eles o espectador é colocado dentro de uma verdade arrepiante e fundamental para o filme funcionar. Athena soa verdadeiro e poderoso, tanto pela falta de cortes, quanto pela humanidade.

Os atores entendem essa naturalidade e se deixam levar pela ideia de uma ausência de câmera. Parecem todos eles próprios, como se estivessem realmente ali, e estão, já que é preciso criar aquele mundo com muito mais complexidade e totalidade para que a câmera se sinta confortável correndo com eles por aquele conjunto habitacional. É a verdade do filme de Romain Gravas que faz com que as verdades desses atores sejam tão… verdadeiras.

Do mesmo jeito que Athena ainda coloca o espectador para lidar com questões que o colocam ao lado daqueles que poderiam estar errados fora dessa situação, mas que, diante do extremo, precisam ser entendidos, do contrário, nada conseguirá ser compreendido.

Talvez no afã de completar esse ciclo, o roteiro de Gravas, Ly e ainda Elias Belkeddar, só peque por escolher um caminho meio óbvio para o protagonista, simplificando um pouco demais as camadas de emoções que ele lida durante o filme inteiro. Mas isso não atrapalha nem um pouco o resultado final, só não permite que ele seja completo e perfeito.

Muito embora Athena não queira ser perfeito, mas sim real. Queira ainda ser um aviso claro de que, diante da explosão, não importa procurar apenas quem acendeu a bomba, mas sim o mais importante, entender o que levou o jardineiro a esse lugar de ação extrema. E o que não faltam no mundo são jardineiros prestes a explodir. Mas quanto mais tarde encarar esse problema, mais difícil será de enxerga-lo, mesmo que a câmera não desligue enquanto acontece toda a ação.


“Athena” (Fra, 2022); escrito por Romain Gravas, Ladj Ly e Elias Belkeddar; dirigido por Romain Gravas; com Dali Benssalah, Dami Slimane, Anthony Bajon, Ouassini Embarek e Alexis Manenti


Trailer do Filme – Athena

Continue navegando no CinemAqui:

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu