Blue Jasmine | Allen volta à ser Allen


[dropcap]A[/dropcap]inda que nos últimos anos Woody Allen tenha aparecido cada vez menos em seus filmes (o último foi no recente Para Roma com Amor, mas apenas em uma ponta), desde 1998 com seu Celebridades ainda abriu a possibilidade de outros atores interpretarem uma espécie de alterego de seu personagem mais característico (no caso desse filme o papel ficou com Kenneth Branagh): ele mesmo. Já do outro lado da moeda, Allen também optou por se distanciar mais ainda de sua persona, o resultado (entre escorregadas como O Sonho de Cassandra) foi obras impressionantes como Match Point, Vicky Cristinha Barcelona e agora Blue Jasmine.

E o curioso é que esse mais recente nem foge tanto assim do “bom e velho” Allen, principalmente em se tratando de estrutura, dos diálogos verborrágicos, dos personagens cheios de vidas e opiniões hilariantemente discutíveis e de um modo genial de criar linhas expositivas em seu roteiro. Por outro lado, o diretor tem então em mãos uma história triste e que quase se afasta de seu característico bom-humor. Ainda que não seja isso que o filme venda logo de cara.

Nele, Cate Blanchett é a Jasmine do título, e se logo nas primeiras sequencias parece que vai emular uma espécie de versão feminina de Woody Allen, “metralhando” um monte de histórias sobre sua vida para uma completa estranha, de modo histérico e embaralhado, o que vem depois é uma ex-ricaça que acabou perdendo tudo e agora tenta recomeçar a vida na casa da irmã em São Francisco.

Ambas adotadas, de um lado Ginger (Sally Hawkins), humilde e com a impressão de uma péssima mão para escolher seus namorados, além de o “legado” de ter os “genes ruins”. Do outro, Jasmine, vinda de uma vida de riqueza em Nova York, esnobe, irritante e saída de um colapso nervoso que parece não permitir que ela viva o presente sem esbarrar com o seu próprio e recente passado. E sim, a história é sobre a segunda, que não está à beira da destruição completa, mas sim já passou disso e não vê um horizonte que se encaixe em suas pretensões.

E ainda que seja impossível se identificar com essa mulher quebrada e destroçada (o que faz de Blue Jasmine um filme até amargo), em um momento de pura sensibilidade Allen decide não só contar essa história, mas partir para dentro dessa personagem em uma viagem profunda e que se torna até dolorida de ser observada. Cada pedacinho é então contado e esmiuçado até que ao seu final Allen tenha em mãos uma das protagonistas mais tridimensionais de sua filmografia. E isso sem perigo de soar exagerado.

Blue Jasmine Filme

Acabar Blue Jasmine entendendo exatamente tudo que levou àquela mulher destroçada até aquele momento triste é o principal sinal de que o diretor novaiorquinho não só acertou mais uma vez, como acertou igual a poucos momentos. E para isso, dessa vez, ele se vale de uma premissa não linear, no presente em São Francisco e no passado em Nova York, ambos andando juntos até um momento tremendamente poderoso (em ambas as linhas) e que traça a realidade dessa personagem. Sem medo de se tornar esquemático, Allen ainda faz com que esse vai-e-vem temporal não faça parte só do filme, mas sim da realidade rachada dessa mulher. Como se não conseguisse se reerguer de suas perdas e nem se perdoar de seus erros, tendo que continuar vendo essas imagens em sua cabeça.

E tudo isso não seria possível sem o extraordinário trabalho de Cate Blanchett, que se esforça até a última lagrima para criar essa personagem triste e dolorida, mas completamente desprezível e complexa. Sentimentos antagônicos que não se encaixarão com a suposta simpatia de uma protagonista, mas parecem fazer parte do plano maior e corajoso de Allen de criar alguém absolutamente horrível, que maltrata e despreza a irmão (essa sim um amor, e apenas em busca de aceitação), muda de nome para renegar o passado e não se cansa de errar nos mesmos pontos, até quando tem a oportunidade de uma nova chance. Entretanto, alguém que o espectador vai enxergar com pesar, e muito provavelmente até torcer por um final um pouco mais otimista.

Com isso em mãos, Blanchett não poupa a personagem, cria alguém que se aproxima da loucura enquanto caminha por meio de uma sanidade que parecer só fazer sentido para ela. Seus momentos de alegria, dor e melancolia parecem andar juntos com um olhar calmo para contar os maiores absurdos, seja para a velhinha no começo, seja em um encontro de amigos ou até para seus sobrinhos ainda crianças. Se Allen é genial no modo que se propõe a contar essa história, Blanchett é sua engrenagem mais importante.

Blue Jasmine então junta o melhor desses dois mundos de Woody Allen, não deixa de ser um filme com sua assinatura, enquanto vive tremendamente bem sem qualquer referência (direta) a ele. E se isso parece ser difícil de entender ou fazer, bom, gênios como esse carinha de Nova York conseguem isso e se supera a cada tentativa.


“Blue Jasmine” (EUA, 2013), escrito e dirigido por Woody Allen, com Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Andrew Dice Clay, Bobby Cannavale, Alden Ehrenreich, Louis C. K. e Peter Sarsgaard


Trailer do filme Blue Jamine

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