É lógico que os grandes gênios do cinema, mesmo em seus piores momentos, ainda assim resultarão (e resultaram) em obras muito acima da vasta maioria de filmes que chegam às salas de exibição, o que, em hipótese alguma, redime esses exemplos de serem vistos como enormes porcarias, ainda mais quando o assunto é o “nova-iorquino” Woody Allen, já acostumado (e completamente despreocupado) em, vez ou outra, escorregar e assinar coisas como Para Roma Com Amor.
Pouco cuidadoso e sem muita vontade de encontrar e se apaixonar por Roma, assim como fez com Barcelona (em Vicky Crhistina Barcelona) e com París (em Meia Noite em Paris) Allen, que também escreve o roteiro, parece apenas querer passar pela cidade italiana como que por uma obrigação burocrática e vã. Seu título fala em amor, e é isso que mais falta: uma paixão por estar ali, contando aquelas histórias.
Allen então conta essas histórias todas (pois como o guarda de trânsito fala, “em Roma tudo tem uma história”) que perambulam pela cidade italiana, mas, sem a menor dúvida, poderiam estar acontecendo que qualquer outro lugar do mundo. E para contar essas histórias, o diretor então escala quatro versões alternativas dele mesmo (ele e mais três) para protagonizar esses segmentos independentes.
Em um deles, Allen é o pai recém-aposentado que vai até Roma para conhecer o novo genro, em outra, Alec Baldwin é um arquiteto que passeia pelas ruas da cidade e acaba encontrando com uma versão sua de vinte e poucos anos de idade (Jesse Eisenberg). Passando para o lado falado na língua local, o ganhador do Oscar, Roberto Benigne, vive esse italiano normal, pai de família e trabalhador que acaba, de uma hora para outra, virando uma celebridade instantânea, enquanto, por fim, Alessandro Tiberi vai até Roma com sua esposa (Alessandra Matronardi) a fim de conseguir um emprego com um tio rico, mas acaba tendo que fingir ser casado com a prostituta vivida por Penélope Cruz.
Como é fácil perceber, nem todos falam sobre amor e nenhum deles se liga ao outro, uma independência exacerbada que acaba deixando o espectador perdido dentro da trama, talvez a espera de uma ligação ou, simplesmente, à procura de uma liga, uma cola, que faça com que todos segmentos se prestem a estar no mesmo filme. Pior ainda, Para Roma com Amor acaba deixando a impressão de ser um apanhado estabanado de histórias sem importância suficiente para ganharem um filme só delas ao invés de algo tratado para conviver com suas semelhantes.
De certo modo, é interessante ainda perceber o quanto Allen se torna refém de seu estilo narrativa, deixa para trás até sua estética e entregando um filme entrecortado e pouco interessante em termos visuais, mas que, por outro lado, consegue fazer seu filme funcionar quando se mostra aberto a dialogar com uma certa fantasia e um surrealismo que, sempre que dá as caras em suas obras, (o próprio Meia Noite em París, Desconstruindo Harry e até Noivo Neurótico Noiva Nervosa) acerta em cheio.
Não é à toa então que o segmento onde Baldwin tem a oportunidade de agir como “subconsciente” de sua versão mais jovem enquanto tenta fazê-lo não repetir o mesmo erro que cometeu, acaba sendo o único momento em que se entenda a razão de fazer um filme sobre aquilo. O único momento em que a história é maior que apenas sua presença arrastada dentro de toda estrutura, ainda que seja tremendamente difícil entender a postura da namorada do jovem personagem (Greta Gerwing) que, praticamente, empurra-o para os braços da melhor amiga vivida por Ellen Page.
E talvez isso seja resultado de um pouco de falta de tempo para desenvolver essas motivações da personagem, o que acontece em todos segmentos, mas, ironicamente, acaba funcionando com a parte de Benigne, que aposta em uma espécie de surrealismo e se esforça para discutir, com um mínimo de profundidade, questões relacionadas a fama em seu estado mais volúvel, sem saber o porquê, nem como e muito menos até quando. Uma ideia que só não se torna mais interessante, pois cai nos maneirismos artificiais de Benigne, que tem a oportunidade de fazer cara de bobo durante todo tempo e ainda, em uma situação que poderia ser tomada de modo muito mais sutil e dramático, resolve envergonhar a sim mesmo assim como o fez no Oscar, só que agora sem as calças.
Em um terceiro segmento, Allen ainda tenta repetir uma certa ironia hipócrita do (sensacional) Dirigindo no Escuro, mas dessa vez envolvendo um cantor de ópera (pai de seu genro) que só consegue brilhar sob um chuveiro. Ao mesmo tempo em que se permite, egocentricamente, apenas demonstrar que, não há resposta negativa, mas sim pessoas que não foram convencidas (o que, levado mais à fundo, acabe surgindo como uma certa aculturação que ele faz questão de impor, talvez para se vingar do “genro comunista”).
Fora isso, o quarto segmento de Para Roma com Amor não faz questão de contar absolutamente nada de novo, se perde na presença da Penélope Cruz e seu vestido vermelho e, nem sequer, resvala em qualquer possibilidade de desfrutar nenhum assunto que possa vir à tona com durante todo seu tempo (colocar a prostituta em uma festa cheia de pessoas influentes e fazê-la encontrar vários clientes é de um humor raso e sem a menor inspiração).
Mas é, justamente, todo aquele papo de gênio do cinema que acaba safando o filme de não ser um desastre, já que, mesmo insossos, cada segmento acaba tendo lá seu punhado de momentos a serem lembrados (como a “inversão” do galã italiano ser gordo e careca, e sempre fazer sucesso como “terrorista” ou “homem divorciado”, ao invés do estereótipo criado por Hollywood) e que não permite então que o espectador saia do cinema sem, pelo menos ter rido de um diálogo ácido, prolixo e histérico do personagem de Allen, do cinismo de Baldwin ou até (para quem gosta) do jeito atrapalhado de Benigne. Razões suficientes para não deixar ninguém órfão de Woody Allen enquanto ele não volta com uma de suas obras-primas
To Rome With Love(EUA/Ita, 2012) escrito e dirigido por Woody Allen, com Flavio Parenti, Roberto Benigni, Alison Pill, Alessandro Tiberi, Judy Davis, Alessandra Mastronardi, Alec Baldwin, Woody Allen, Jesse Eisenberg, Greta Gerwig, Pelélope Vruz e Ellen Page.
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