Se fosse preciso resumir Boa Sorte em uma palavra, seria tristeza. Mas não uma tristeza melancólica e doída, mas sim uma cheia de esperança. Uma que ajuda a enfrentar o inevitável e usar ele como combustível.
E essa sensibilidade à flor da pele é o que movimenta o primeiro filme dirigido por Carolina Jabor, que acerta na enorme maioria do tempo e prefere apostar na garantia do plano comum a “inventar moda”. Opção extremamente acertada e que então valoriza a grande estrela do filme: o roteiro de Jorge Furtado e seu filho, Pedro.
O texto parte do princípio de um pequeno conto de Furtado e encontra na tela do cinema um lugar mais perfeito ainda para contar essa história. Nela, um jovem viciado em Frontal (remédio) acaba sendo internado por seus pais em uma espécie de clínica de reabilitação com jeitão de hospício. Lá, ele acaba se aproximando de uma junkie vivida por Débora Secco e, mesmo no meio de todos os problemas, surge um amor entre eles.
Mas ainda que Boa Sorte seja sobre esse amor, é também sobre esses personagens, como eles chegaram ali e o preço que pagam para conseguir viver nesse mundo que não lhes aceita. Não só dentro da reabilitação, mas principalmente fora. Para ele, uma realidade onde é invisível à todos, passando despercebido pelas vidas ao seu redor. Ignorado a partir de uma mistura de Frontal com Fanta, sacada incrivelmente divertida do roteiro e que entrega uma leveza enorme diante daquela tristeza do primeiro parágrafo.
Por outro lado, Secco encarna uma mulher que não soube encontrar seus limites, opção que lhe impôs uma série de barreiras e a inevitabilidade do HIV que não pode ser tratada. Mas é diante disso que ela resolve aproveitar o tempo que lhe resta, ainda que o peso dessa escolha continue a lhe esmagar contra o chão. Uma personagem que é até um pouco complexa demais para as habilidades dramáticas da atriz, porém, um trabalho tão esforçado que fica difícil não valorizá-lo.
Um filme que encara um diálogo entre os dois como ponto de partida de qualquer um. “Quanto tempo você viverá?” pergunta ele, para logo ser indagado por Secco, “E você?”. Um filme que exala a profundidade dessas duas linhas, afinal, quem sabe realmente o que vai acontecer, e quem tem o direito de não fazer nada com isso em mente? E é essa a principal lição que o protagonista leva consigo: qual o sentido de ser invisível para uns quando tanta gente ainda quer enxergá-lo?
Boa Sorte então é um exemplo sensível de um cinema que sabe lidar com seus sentimentos, não faz nada mais que o esperado, emociona, apaixona e faz pensar. Com atuações acima da média, um roteiro incrível e uma tristeza silenciosa que atinge todos no cinema, mas que, ao mesmo tempo, os farão refletir e, quem sabe, descobrir o quanto se pode aproveitar o tempo que lhes resta, seja na vida, seja em um relacionamento ou até numa sessão de cinema. Já que tudo está ai pronto para ser descoberto e não ignorado e invisível.
idem (Bra, 2014), escrito por Jorge e Pedro Furtado, dirigido por Carolina Jabour com João Pedro Zappa, Deborah Secco, Fernanda Montenegro, Felipe Camargo, Cássia Kis Magro, Enrique Díaz, Mariana Lima, Gisele Fróes
1 Comentário. Deixe novo
Boa sorte foi o único filme na história do cinema que me fez chorar, e eu tenho certeza que jamais chorarei com um filme novamente.
Obs: essa foi a melhor crítica que eu achei sobre esse filme.