Bratan | Restauração carrefa espectador em uma viagem

Ah, a estética do cinema soviético… Em Bratan, ou “Brothers”, embarcamos em um trem pelas cidadezinhas e montanhas do Tajiquistão, até a fronteira com o Afeganistão, onde os irmãos Farukh (Firus Sasaliyev) e Azamat (Timur Tursunov) querem encontrar o pai. É uma jornada singela, carismática e esteticamente impecável, com planos abertos da desolada paisagem e takes de feitos técnicos de alta qualidade, como quando o trem passa por um riacho, cujo objetivo principal é justamente mostrar que é capaz de fazer aquilo.

Parte da exibição especial de filmes restaurados da 46ª Mostra de São Paulo, Bratan acompanha o jovem Farukh, que leva seu irmão mais novo, Azamat,  — que tem o apelido de “Panqueca” por ser gordinho e gostar muito de comer (pois é…) — para visitar o pai, que vive em outra cidade e há muito tempo não vê os garotos, que moram com a avó desde que os pais se separaram. Azamat está dividido entre a vontade de morar com o pai e o medo de deixar o que já conhece e seu adorado irmão mais velho, que é considerado “o cara mais durão do bairro”.

Dirigido por Bakhtyar Khudojnazarov — responsável também pelo roteiro, escrito ao lado de Leonid Machkamov —, a obra se desenrola sem pressa como um típico road movie (ou train movie?), ao longo do que a dupla central se depara com figuras excêntricas, como um senhor que armazena uma infinidade de vasilhas, enquanto Azamat ainda passa por situações em que o irmão mais velho busca “ensiná-lo” sobre coisas sobre sexo, mulheres e, também, a nova vida do pai longe deles.

Trata-se de um longa envolvente: é fácil e rápido se encantar pelos garotos e por tudo o que eles veem durante sua viagem, e se emocionar com a adoração que Azamat sente pelo irmão e pelo pai, ou com o lento, mas profundo, entendimento dele sobre o pai. Ainda que as piadinhas sobre como o garotinho é louco por comida cansem rápido, tanto por serem irritantes quanto absurdamente datadas, a obra e os personagens são extremamente simpáticos — e ainda encanta com seu apuro técnico e estético, especialmente nesta versão restaurada.

Khudojnazarov conta sua história sem pressa, dando tempo para o tédio das paradas longas do trem, a busca por aventura em lugares desconhecidos, a incerteza dos garotos sobre o que (e quem) vão encontrar na casa do pai, as inseguranças de ambos sobre como a ideia de Azamat ficar por ali será aceita, a relação sincera, divertida e muito próxima dos irmãos — em que Farukh é uma figura não apenas fraterna, mas também paterna para o caçula.

É curioso também perceber a forma natural e leve com que o filme mostra pessoas muçulmanas — é difícil imaginar um filme feito hoje em dia que mostraria uma mulher muçulmana fazendo sexo casual com um homem, mas aqui no filme de 1991, o ocorrido apenas rende uma cena divertidinha e, depois, tudo continua normalmente. Não há alardes ou estereótipos, até por não se tratar de uma obra ocidental — por outro lado, isso faz com que as piadinhas gordofóbicas sobre o garotinho destoem ainda mais do restante da obra.

Timur Tursunov e Firus Sasaliyev não eram atores antes de estrelarem Bratan e nunca mais atuarem em nenhuma outra obra audiovisual, o que acaba tornando a experiência de assistir ao filme restaurado ainda mais interessante: este é um retrato de um tempo, de um lugar e uma experiência que jamais se repetiriam, e que poderia facilmente ter se perdido no mundo. Que bom que não foi o caso — esta não é uma das grandes obras do cinema soviético, ou um filme obrigatório para quem quer conhecê-lo, mas certamente é uma experiência que vale a pena. 


“Bratan” (USSR, 1991), escrito por Bakhtyar Khudojnazarov e Leonid Machkamov; dirigido por Bakhtyar Khudojnazarov; com Timur Tursunov, Firus Sasaliyev e N. Arifova.


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