Se grandes filmes são medidos pelo quanto eles te fazem pensar ao mesmo tempo em que divertem e não te abandonam depois que os créditos finais terminam, então pode colocar Capitão Fantástico em qualquer lista de melhores filmes do ano que você, eu ou qualquer um faça.
Mas isso tem um preço, nesse caso, contar uma história poderosa e que não só esfrega nas nossas caras o quanto estamos em um caminho errado achando que somos civilizados, quanto nos faz rever se realmente estaríamos preparados para sermos ¿mais selvagens¿.
O ¿mais selvagens¿ no caso, se refere a Ben (o sempre incrível Viggo Mortensen) e seus seis filhos. Ora uma espécie de tribo coberta de lama caçando um alce, ora em torno de uma fogueira lendo alguns dos maiores clássicos da literatura mundial. Afastados da sociedade pela opção dos pais (¿Mamão odiava esse mundo!¿), mas que acabam tendo que voltar a ela diante do suicídio da mãe, que tempos antes se afastou deles por causa de uma doença.
O problema maior é que, como se pode esperar, a família da mãe renegue esse estilo de vida de Ben, assim como não tem a mínima cerimônia em aponta-lo como culpado por todos males que se sucederam com a mulher. Mas ele e os filhos tem uma missão maior: Conseguir fazer com que sua mãe seja cremada e celebrada de acordo com os costumes budistas, e não encarcerada em um caixão como a família dela pretende.
Ainda que aos poucos esse problema do enterro fique um pouco de lado (e volte só lá pelo final), ¿Capitão Fantástico¿ é justamente sobre isso: sobre o quanto o diferente pode soar selvagem, mesmo em uma sociedade esmagada por sua mediocridade.
E enquanto Ben e seus filhos cruzam o país para chegar ao enterro, fazem de cada parada um momento inesquecível para se discutir até onde os civilizados são realmente os que estão cercados desses centros de consumo desenfreado, tomando ¿água envenenada¿ ou reféns de alguma marca de tênis. O bom humor com que o roteirista e diretor Matt Ross (que você conhece como coadjuvante de séries como America Horror Story e Silicon Valley) acompanha essa família é o ponto perfeito para a acidez com que tudo ocorre.
Momentos deliciosos ao tentarem entender qual razão todos ¿na cidade¿ serem gordos; momentos doidos como quando o filho e o pai discutem Trotsky, Marx e Maoismo em meio a uma paquera ou sensíveis como esmiuçando Lolita com a filha. E esse terceiro momento é particularmente significativo, colocando o dedo na ferida de uma geração que se contenta com o ¿interessante¿ ao invés de tentar entender o que existe além das palavras escritas ou ditas.
E talvez ai esteja ai maior força de Capitão Fantástico, essa vontade de entender a entrelinhas. De olhara para tudo aquilo que está acontecendo e tirar suas próprias conclusões. Afinal, roubar um supermercado não é bom, mas ao som de alguns acordes de punk rock é um verdadeiro enfrentamento desse sistema opressor. Não é preciso corroborar com o crime, nem julgá-lo, mas sim entender as nuances desse mundo que os cerca.
É esse peso que Ben precisa carregar nas costas por ter feitos suas escolhas. A responsabilidade de criar pequenas misturas de gênios com sobreviventes, que ao mesmo tempo querem ganhar uma faca de presente no ¿Noah Chomsly Day¿ (¿Afinal você não vai querer celebrar um duende imaginário ao invés de uma pessoa real!¿), mas tem uma capacidade intelectual que coloca qualquer um no chapéu. Ben escolhe então que eles vivam o mundo real, ¿onde ninguém vai aparecer magicamente para te salvar no fim¿, ainda que nem desconfie que é exatamente isso que o salva de um grande sacrifício no final, um que representa para ele sua falha. Como tivesse que deixar que filhos sejam melhores do que ele.
Mas Capitão Fantástico mostra que não existe certo ou errado, mas sim apenas a vontade de sobreviver dentro daquele mundo que você escolheu viver. A morte da mãe é apenas aquele choque de realidade que os obriga a entender isso, que não adianta ser educado, inteligente, prestativo e apaixonado, o diferente sempre cria uma barreira. E ninguém precisa deixar de ser quem já é para ultrapassar esse obstáculo, é ele que não devia estar ali.
Uma jornada que faz com que Ben descubra que ainda que não precise conviver com a culpa de suas decisões, também precisa ter a capacidade de entender as necessidades do mundo a sua volta. Sempre com a possibilidade de mudar, de encontrar novos espaços em seu mundo para ser uma pessoa melhor. Talvez não precisando isolar seus filhos de uma sociedade e preparando-os para uma guerra que não existe, mas sim os ensinando a serem eles mesmos.
Capitão Fantástico é sim uma baita lição de vida. Um filme duro, sensível, triste e selvagem, mas que mostra que falta olharmos melhor ao nosso redor. Falta pararmos para observar melhor o mundo, então se o último plano do filme permanece lá, parado enquanto Ben e sua família tomam café, aproveite isso para fazer algo que hoje é tão pouco valorizado: pense.
“Captain Fantastic” (EUA, 2016), escrito e dirigido por Matt Ross, com Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso, Nicholas Hamilton, Shree Crooks, Charlie Shotwell, Kathryn Hahn, Steve Zahn, Frank Langella e Ann Dowd