Casamento de Verdade parece a primeira ou uma das primeiras incursões de Hollywood explorando o tema da homossexualidade de maneira “comercial”. Ele apresenta uma atriz conhecida por comédias românticas como protagonista (Katherine Heigl), mas a faz carregar uma culpa logo na primeira cena, um batismo, se desculpando logo na primeira cena de toda a comunidade religiosa que possa, talvez, quem sabe, achar o conteúdo ofensivo.
No entanto, chamá-la de protagonista é superestimar seu papel na história, construída através de um elenco clichê para dramas, e ciente de que o filme é uma tentativa de discussão didática e saudável do tema, e mira longe de um possível estudo de personagem como o mais longo e mais intenso Azul é a Cor Mais Quente (esquecendo a parte do soft porn, é claro).
Sendo assim, não é dela a maioria das frases impactantes que costumam florear esse tipo de filme, e fazer chorar os menos precavidos por indução. Também, pudera: a história não tem nada a ver com o casal de lindas mulheres em um romance bem resolvido (Heigl e Alexis Bledel) e que pretende dar um passo adiante se casando. Pelo contrário: o filme está focado em todas as outras pessoas em volta cuja decisão das duas moças irá afetar. Ou a família, basicamente: irmãos, o pai e, claro, a mãe.
Por isso que a frase que realmente introduz o conflito está no diálogo entre pai e filha. O pai (Tom Wilkinson), inocentemente, mas com propriedade, explica que achar a pessoa certa é saber que essa pessoa certa irá mudar, mas inevitavelmente descobriremos a “próxima pessoa certa” nessa mesma pessoa. É uma das frases menos clichês e mais significativas do longa, pois resume todo o arco que essa família irá sofrer, queira ou não, depois que aceitarem que sua filha deixará de ser uma mentira conveniente e passar a pertencer à raça humana, com todas suas qualidades e defeitos. (Triste é saber que o longa, ao jogar empatia na família, perigosamente flerta com a possibilidade de achar que ser gay é um defeito.)
Ou, quem sabe, quase humana. Nenhuma das atitudes de Jenny é reprovável no filme. Ao contrário: são perfeitamente compreensíveis. A atitude que condenamos, embora entendamos, pertence a seu pai e mãe, que discutem o que houve de errado com a criação que deram para sua filha. Eles pertencem a uma geração e uma vizinhança – seja mentira ou verdade – estável, previsível e conveniente.
Aos poucos percebemos que não há culpados em Casamento de Verdade, e isso é uma coisa boa. Há, porém, uma quantidade absurda de drama para uma situação aparentemente simples em 2015/16, o que se torna um sintoma meio desagradável a respeito da sociedade que vivemos.
O que se torna ruim e atrapalha é mesmo o conjunto de músicas que tentam florear acontecimentos, mas que em nenhum momento acertam. Brian Byrne encabeça uma discografia brega do começo ao fim, em uma sequência ininterrupta de transições que parecem querer destoar do que vemos na tela a todo custo. A não ser, é claro, que o tom tenha sido pensado como uma telenovela, como a que a mãe da protagonista acompanha. Há vários indícios que comprovam essa teoria, como a forma teatral como alguma cenas são montadas, e a forma nada sutil dos enquadramentos e do mise en scene conduzidos pela diretora e roteirista Mary Agnes Donoghue, que em seu segundo filme vem de um jejum de quase 24 anos, embora escreva um roteiro aqui e ali.
Porém, sejamos mais justos com essa comparação televisiva. Alguns dos detalhes explorados por Donoghue, talvez exatamente por serem sutis, se saem muito melhor que o conjunto da obra. Repare como Jenny está em um plano aberto, e quase correndo, quando liga para sua mãe, esperando uma reação mais positiva desde sua última conversa, e ao receber um bloqueio formal dela, exatamente nesse momento ela atinge a sombra de um prédio ao lado. Em uma cena mais pra frente, situação semelhante, mas com uma resposta libertadora, a vemos sair de um prédio e ser banhada pela luz de um vácuo que existe entre prédios do centro da cidade, criado para esse momento. Esse tipo de detalhe quase nunca é sutil no filme, que prefere mostrar uma mãe atordoada e sem foco no meio de transeuntes de um shopping, e tenta a todo momento parecer uma versão lésbica do intenso (mas igualmente televisivo) Amor Sem Fim (Shana Feste, 2014).
Dessa forma, Casamento de Verdade se torna um misto de momentos interessantes com clichês novelísticos. Tudo embalado em uma trilha sonora completamente inadequada. Se trata de uma ótima produção, com um elenco no piloto automático, e um tema irrelevante para o que se pretende: fazer pessoas chorar aleatoriamente quando personagens realizam a sua batidíssima curva de aprendizado. Mas, ainda assim, uma curva perfeitamente acreditável.
“Jenny’s Wedding” (USA, 2015), escrito e dirigido por Mary Agnes Donoghue, com Katherine Heigl, Tom Wilkinson, Linda Emond, Grace Gummer, Alexis Bledel
1 Comentário. Deixe novo
Os personagens não foram bem trabalhados, acabando por não me convencerem. Katherine Heigl é um das minhas atrizes preferidas, acho que ela é completamente talentosa, vi sua atuação em [Aqui tinha um link da HBO Max… devidamente editado] e houve uma cena que me comoveu. Eu vi que vão transmiti-la em TV deixo o link com a informação se a querem ver.