Cats | Uma “cat-ástrofe”!


[dropcap]C[/dropcap]ts foi o primeiro filme que vi no cinema em 2020. Fui para acompanhar um amigo, e hoje não estou certo se meu motivo mais forte foi a amizade ou o masoquismo.

Para me ajudar a tirar essa dúvida há uma música que não me sai da cabeça desde então: a apresentação de um dos gatos do filme, o Mister Mistoffelees (Lauriel Davidson). O refrão repete este nome milhares de vezes até onde eu me recordo, e isso me lembra agora que este é um musical muito mais infantil do que adulto, mas em uma época em que adultos são criaturas mais infantis que crianças, isso me deprime de uma maneira irremediável. Concluído isto, acho que já me decidi pelo motivo mais forte: foi masoquismo mesmo.

Não há história aqui que consiga ser descrita que não faça sentido, já que o filme baseado na peça musical de sucesso da Broadway não tem de fato uma história. É um fiapo de ideia: uma gata é abandonada e encontra um bando de gatos que dançam e cantam para que a gata anciã decida quem vai ser o gato a subir em um balão para fugir daquele inferno… que é ficar ouvindo toda vez, gatos e mais gatos se apresentando com uma música. Ah… e tem um vilão, considerando que o resto dos gatos sejam do bem, mas desconsiderando que ficar miando essas músicas é de extremo mau gosto na vizinhança.

Os gatos do filme são atores e atrizes vestidos com computação, o que poderia sugerir que há algo de erótico no design de produção. Mas não, nem a atual alta do “Furry Fandom” (não sabe o que é isso?) conseguiu adaptar Cats para que pelo menos ele seja excitante. O resultado não é erótico nem infantil, nem qualquer outra coisa senão patético. Dá pena de ver alguns membros do elenco como Judi Dench e Idris Elba “gaptados” para esta “cat-ástrofe”. E começo a ter auto-piedade de ter que criar trocadilhos para tornar este texto interessante, e depois eu novamente terei que revisar esta história de um filme feito de “gato e sapato”.

A escalação de atores e atrizes leva em conta as necessidades físicas dos gatos, e a produção coloca Francesca Hayward, principal bailarina do The Royal Ballet, como a protagonista de Cats, dada sua flexibilidade e corpo fino e esbelto, mas se esquece que filmes exigem personagens, e Hayward é uma péssima atriz, se limitando a encarar os outros gatos do elenco com seu olhar vazio e seus lábios paralisados. Isso nos faz buscar algum outro personagem no meio da história, mas todos não passam de pessoas envergonhadas demais para entender o que tudo aquilo significa para sequer arriscar algum estereótipo. Talvez apenas a rápida visão de Rebel Wilson (do excelente Missão Madrinha de Casamento em alguns segundos nos gera o alívio de ver uma atriz atuando no meio de tanto CGI e textos gigantescos que pretendem contar algo sobre esses montes de pelos dançantes. Wilson se vira bem, pois é divertida e dispensa personagens para nos entreter.

Sem história, sem personagens, com péssima música e textos gigantes que não estamos interessados em prestar atenção por causa dos elementos já citados, Cats poderia ainda assim ser um êxito fosse este um filme unicamente para nos extasiar com as cenas de dança, as coreografias, as luzes e as cores. Porém, tudo isso é igualmente sabotado pelo capanga por trás deste projeto insalubre: o “diretor” Tom Hooper, de Os Miseráveis.

Hooper não apenas continua sem melhores ideias de como enquadrar suas cenas e sem a mínima noção de quando e quanto cortar números musicais para evitar que tenhamos ataques de epilepsia, como também é incapaz de utilizar sua equipe para nos impressionar com cores e luzes. O vídeo em Cats é escuro e dispensável, e o som, seja música ou letras, é irrelevante ou irritante. E Hooper consegue nos entregar este pacote demoníaco cinematográfico com sua incompetência ímpar: sem saber o que fazer nem como fazer, sua presença consegue ser sentida como uma piora do que já era ruim. Este é um dos poucos filmes onde demitir o diretor, e deixar a função vaga, melhoraria o conjunto da obra.

A grande felicidade de Cats é entender que filmes não podem durar para sempre, e suas quase duas horas, que parecem 20, finalmente chegam ao fim. Não sem antes nos roubar a alma e a esperança de um ano melhor. Cats no cinema parece a antítese da versão nos teatros. Quem for ao musical na Broadway ou equivalente e se sentir satisfeito, feliz e extasiado em exagero, entre em uma sala de cinema para ver sua versão cinematográfica, e entenderá que a morte é uma alternativa muito mais sensata do que algumas sessões de cinema.

PS: Porém, seja sensato, e não saia chutando gatos por aí. Os humanos são o problema, não os felinos.


“Cats” (UK/EUA, 2019), escrito por T.S. Eliot, Lee Hall e Tom Hooper, dirigido por Tom Hooper, com Francesca Hayward, Taylor Swift, Rebel Wilson, Judi Dench, Jennifer Hudson, Idris Elba e Laurie Davidson.


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