Divertido e adorável, Cegonhas – A História que Não Te Contaram consegue manter o equilíbrio entre divertir também o público adulto, mas sem alienar as crianças. Investindo em um senso de humor controladamente absurdo, a animação faz o melhor que pode com sua trama pouco ambiciosa — e se sai muito bem nisso. O resultado é um longa que, mesmo não sendo exatamente memorável, envolve o público e transmite suas mensagens com eficiência.
Não é nada fácil trabalhar com bebês: eles são imprevisíveis e, pior de tudo, suas carinhas fofas são suficientes para encantar qualquer um. Nem as cegonhas responsáveis pela entrega dos pitocos ficam de fora e, portanto, a entrega dos bebês foi cancelada quando Jasper recusa-se a entregar a pequena Tulipa, destruindo o aparelho que indica a família à qual ela pertence.
Dezoito anos depois, as cegonhas agora ganham a vida como entregadoras da LojadaEsquina.com. Funcionário exemplar, mas solitário, Junior vê-se à beira de ser nomeado novo chefe da empresa — mas antes deverá cumprir a tarefa de demitir Tulipa, que só atrapalha em suas tentativas de ajudar as cegonhas e os poucos pássaros de outras espécies que trabalham ali.
O processo, é claro, dá totalmente errado e, com isso, Junior e Tulipa veem-se às voltas com uma recém-nascida bebê e com a missão de levá-la até a família designada a ela antes de segunda-feira, quando acontecerá a reunião que nomeará Junior como o novo chefe. No caminho, a cegonha refletirá sobre seus verdadeiros objetivos de carreira, enquanto Tulipa tenta provar seu valor.
Ah, e conhecemos também uma alcateia divertidíssima que desenvolveu um método… peculiar de transpor obstáculos e continuar seguindo em frente da maneira mais adequada. A gag, que não merece ter sua surpresa revelada aqui, aparece com frequência, mas jamais torna-se forçada, representando o tipo de humor absurdo perfeito para encantar as crianças e divertir também os adultos.
Sem precisar recorrer a referências que quase sempre aparecem de maneira gratuita apenas para atiçar o interesse dos maiores enquanto passando totalmente batidas pelas crianças, uma das maiores qualidades de Cegonhas é justamente a de ser orgulhosamente voltado para o público infantil — e de saber que isso não precisa, necessariamente, significar o tédio dos adultos.
Afinal, a própria temática do filme, cegonhas entregando bebês, garante material mais do que suficiente para ficar apenas entre os adultos — e o longa se diverte com isso ao trazer Junior respondendo “Existem outras maneiras de se conseguir bebês” quando seu atual chefe fala sobre os motivos que levaram ao cancelamento do serviço. Mérito dos roteiristas Nicholas Stoller e Doug Sweetland (o primeiro assina também a direção), que conseguem criar uma história coesa e envolvente, assumidamente sem a pretensão de nos apresentar a uma trama complexa.
O mesmo acontece tecnicamente: enquanto o design de animação não apresenta novidades, os movimentos dos personagens e do universo ao seu redor são fluidos e ágeis, algo fundamental para capturar o humor rápido e certeiro do longa. Assim, grande parte da diversão reside nas reações e expressões faciais dos personagens — nesse sentido, chega a ser impressionante o quanto eles conseguem imprimir personalidade à bebê através de, por exemplo, um close de seu rosto imóvel.
Ao tratar de bebês e da importância da família, o longa naturalmente entrega-se a momentos um tanto melosos. Nesse sentido, a “transformação” dos pais do pequeno Nando é particularmente incômoda por acontecer rapidamente demais, enquanto o fato de ser absurdo que a máquina de bebês não tivesse sido destruída passa batido pelo roteiro.
Merece atenção especial, também, o admirável cuidado dos realizadores em retratar a diversidade de seus bebês e, claro, das famílias que os recebem — que incluem casais homossexuais e interraciais, uma deficiente física e uma mãe solteira. É uma pena, portanto, que o conservadorismo dos estúdios tenha falado mais alto e que todos os personagens humanos centrais estejam dentro dos padrões.
De qualquer maneira, Cegonhas se estabelece como um esforço admirável de falar sobre família com o público infantil, pois mesmo que sua mensagem nem a forma como ela é transmitida sejam inovadoras. Entretanto, há aqui uma sinceridade e uma falta de cinismo fundamentais para que o filme funcione. Somando isso ao senso de humor divertido e aos personagens carismáticos, a animação é mais do que bem-sucedida em envolver espectadores de todas as idades.
“Storks” (EUA, 2016), escrito por Nicholas Stoller, dirigido por Nicholas Stoller e Doug Sweetland, com as vozes no original de Andy Samberg, Katie Crown, Kelsey Grammer, Anton Starkman, Jennifer Aniston, Ty Burrell, Danny Trejo, Keegan-Michael Key e Jordan Peele.