O filme Chatô – O Rei do Brasil, entre paralisações e processos na justiça, levou 20 anos para ser concluído. Uma vez lançado, pode ser facilmente resumido em uma palavra: bagunça. O ator televisivo Guilherme Fontes faz aqui sua estreia na direção e realiza um primeiro trabalho que já pode ser comparado a de Arnaldo Jabor em seu último: A Suprema Felicidade. Em ambos os filmes, há um misto entre cenas desconexas tentando extrair significado de lugar nenhum, como se apenas a justaposição de diferentes tempos na vida do magnata Assis Chateaubriand e sua relação com figuras históricas – entre elas Getúlio Vargas – fosse rivalizar com a construção de personagem do clássico Cidadão Kane, o que não funciona, e o resultado acaba mais para Plano 9 do Espaço Sideral.
O roteiro escrito a seis mãos foi baseado no romance de Fernando Morais e fornece diálogos pseudo-grandiosos que carecem de sutileza, dignos da figuraça de Chateaubriand, um paraibano que se orgulhava de suas origens. Deve ser por isso que a palavra Brasil é dita tantas vezes, e a análise rasteira e pedestre do povo brasileiro, um adjunto. O patriotismo – inexistente na época, pois fora fabricado pelos militares várias décadas depois – é venerado como parte do sangue da elite, mesmo que eles estivessem coroando um coronel sulista ao posto máximo de uma retumbante república de bananas. Isso se torna particularmente ridículo quando a personagem de Andrea Beltrão declara preferir ir a Paris do que à Paraíba para minutos depois a vermos dizer com um respeito solene a respeito do futuro presidente do país.
Porém, a atuação inerte de Beltrão empalidece frente as caricaturas de Paulo Betti e Marco Ricca, fazendo respectivamente Getúlio Vargas e o próprio Chatô. O primeiro força seu sotaque para tentar esconder seus diálogos vergonhosos, mas o segundo os diz com uma segurança típica dos ignorantes. E é aí que podemos detectar talvez uma premissa completamente avessa à figura de um intelectual como Chateaubriand. Reconhecendo-o como um bruto que deu sorte, o filme nos mostra magicamente um atendente de uma loja de tecidos virar dono de um jornal, para em seguida se enveredar pela rádio e TV. Não é possível entender se o objetivo era criticá-lo por fazer parte de uma elite que tanto atacava através da mídia que controlava ou se é pura xenofobia de suas origens avessas ao estereótipo de magnata da imprensa.
Para piorar a situação, a direção de Guilherme Fontes transforma a experiência em uma minissérie ou uma novela com ritmo irregular. São pouquíssimos os momentos em que uma cena dá continuidade à outra – não no tempo ou no espaço, necessariamente: na lógica da narrativa. E é justamente essa a abordagem de conteúdos para TV. Nunca entregando uma trama que consiga prender a atenção do espectador, a TV confia no espetáculo das atuações (no caso de uma novela ou série) e na variedade dos seus temas. Aqui o tema é um só, e ele é repetido de maneira desregular e à exaustão, sendo que nem no início nem no desenvolvimento sabemos qual é o tema.
Se tornando aos poucos um passatempo cada vez menos atraente e com um ou outro momento interessante, Chatô – O Rei do Brasil é um projeto que poderia muito bem continuar engavetado para sempre, pois não consegue sequer esboçar um diálogo crítico a respeito da figura história que pretende retratar. Quem dirá se tornar um filme de referência de uma época.
“Chatô – O Rei do Brasil” (Bra, 2015), escrito por João Emanuel Carneiro, Guilherme Fontes, Matthew Robbins, Fernando Morais, dirigido por Guilherme Fontes, com Andrea Beltrão, Paulo Betti, Ingrid Borgoin, Gabriel Braga Nunes, Nathália França