[dropcap]A[/dropcap] sensação de impotência em Chicuarotes é o que constrói uma tensão que consegue ser ao mesmo tempo trágica e engraçada. Por um lado, há o velho clichê de chorar sobre a desgraça dos mais pobres, mas por outro há esse lado humano que reconhece que, dizendo de forma bem chula e preconceituosa, pobre não vale muita coisa, mesmo.
Aqui temos Planchado e Cagalera, dois amigos que vestidos de palhaço são melhores assaltantes que comediantes, desde que eles estejam com uma arma em um ônibus cheio de pessoas indefesas, pois na vila pobre onde moram a dança é diferente com homens poderosos controlando os bairros. Por que são poderosos? O que fazem? Eu não sei, a camada social é um mistério neste filme, e ficamos apenas com a superfície.
E nela Cagalera está cansado dessa vida, cansado de “comer chocolate duro”, e arrasta Planchado para alguns planos furados, como assaltar uma loja de calcinhas, que deveria ser uma sequência mais engraçada do que é. A coisa se complica quando eles decidem sequestrar o filho do açougueiro. O filme consta no IMDB como drama, mas é engraçado acompanhar essa dupla, que nada têm de bonzinhos nem de espertos. Eu não sei se alguém torceria por eles, talvez no automático, mas sem muita razão além da compaixão automática por seres humanos.
Isso porque Chicuarotes é um filme cru, bruto, que não se intimida em mostrar seus personagens imperfeitos tentando viver como podem. Cagalera rouba até o motorista de ônibus, conhecido com quem conversa e que ganha mal, e de uma forma geral não possui valores morais algum. Mas, como falei, nós temos apenas a superfície desse mundo sendo revelada, pois o mecanismo por trás dessas pessoas e dessas cidades mexicanas divididas em vilas e com uma rixa entre elas é uma incógnita para quem é de fora.
Primeiro longa para o cinema depois de Déficit, de 2007, este filme é dirigido pelo ator mexicano Gael García Bernal, e ele exibe um controle forte na narrativa, usando alguns planos-sequências e botando de vez em quando um personagem ou outro enquadrado com toda a dignidade que ele deseja que eles possuam. O problema aqui está mais na incompatibilidade de narrativas, pois o roteirista, Augusto Mendoza, do fraco Abel, cria uma atmosfera não-linear e sem arcos para explorar personagens pelos quais não torcemos por eles serem desagradáveis. A história revela mais ao espectador sobre o que seus criadores tentaram do que o que realmente conseguiram.
Por exemplo, há um pequeno arco que se conclui sobre o companheiro da mãe de Cagalera, Baturro, um homem violento que parece ser a desgraça da família, embora se revele mais como consequência dela. Baturro acaba recendo o fim que ele merece, mas a forma com que ele acontece, se analisado com calma, se revela frágil demais. É como se todos os abusos deste homem fossem permitidos por anos, para de repente se chegar em um limite. Dolores Heredia, em uma interpretação automática, faz a mulher que aguenta esses abusos, e sua personagem se torna uma incógnita. Por que ela permitiu isso por tantos anos?
Esses problemas do roteiro se revelam porque não existe profundidade em seus personagens. Eles dançam nos belos quadros e sequência que García Bernal realiza com a ajuda do fotógrafo Juan Pablo Ramírez, mas não sabem quem são eles de fato, tornando tudo episódico e inconsequente. Um filme de “evento puxa evento”, que começa de um jeito e termina de outro, mas que ambos, começo e fim, não mudam em nada a situação dos envolvidos e a análise que o filme faz dessa realidade é simplista demais.
Chicuarotes possui uma estrutura não convencional para fazer seu espectador refletir sobre as relações de poder entre seres humanos vivendo no limite, mas esse limite não é tão limite assim e esse poder não é tão claro assim, de forma que sua própria mensagem se perde nos detalhes que faltam da trama. Me lembra o filme biográfico do diretor italiano Giuseppe Tornatore, Baarìa – A Porta do Vento, em que ele gasta quase três horas e vários milhões para dirigir um filme tão específico que se perde como Cinema. Mas é bonito, e entretém, se isso vale de alguma coisa.
“Chicuarotes” (Mex, 2019), escrito por Augusto Mendoza, dirigido por Gael García Bernal, com Benny Emmanuel, Ricardo Abarca, Dolores Heredia.