Chocolate é o mais novo trabalho de Osmar Sy e possui não apenas a simpatia que estamos acostumados a ver em seus filmes (Intocáveis, Samba), mas também um lado dramático do tipo que tornou filmes como Conduzindo Miss Daisy e 12 Anos de Escravidão tão fascinante.
A história é de um personagem da vida real: O primeiro palhaço negro de sucesso que se apresentou em dupla com um branco na Paris de 1900. Como filme de época ele se torna mágico por nos transportar para cenários cheios de detalhes, seja na parte pobre quanto na parte rica da França. O uso das cores é obviamente um ponto forte, pois faz parte do tema racismo. Mas não só ele, como a colonização de países africanos e a sistemática submissão de indivíduos com a cor de pele “errada”.
E isso está implícito e escancarado no comportamento dos brancos em relação ao personagem-título. Sempre olhando com desdém ou a curiosidade de quem olha para um animal no zoológico, adultos e crianças se comportam como os verdadeiros macacos na plateia, e fazem parte de um mundo que não existe mais, onde zombar de um negro sendo espancado ou feito de idiota era engraçado justamente por ele ser negro. Negros eram seres sem identidade, assim como cachorros e gatos.
E a história de Chocolate não poderia então ser mais simbólica nesse sentido ao percebermos que na maior parte do filme ninguém sabe seu nome real. Atração em um circo do interior como o selvagem canibal, as crianças perguntam perplexas para seus pais se a cor da pele dele era essa, mesmo. A resposta: “claro que não, isso é maquiagem”. Isso serve não só para datar o filme, mas para definir o nível social e a ignorância da Europa daquela época.
Convidado de forma persuasiva a ser dublê por Footit (James Thierrée), um palhaço outrora famoso, mas que agora caiu no esquecimento pelos seus números repetidos, ambos passam a ser o sucesso da região e logo não demora para que eles sejam convidados a atuar na capital, em um circo de concreto com capacidade para 1500 pessoas.
É curioso como o diretor destaca um rosto na platéia gargalhando justamente porque esses rostos observam atentamente. No meio de uma multidão de pessoas felizes, algumas eventualmente não estarão, e são justamente essas que causam a ascensão e o declínio da dupla.
Viciado em jogos, e perdendo o foco constantemente por mulheres, Chocolate é, como não deveria deixar de ser, um humano como qualquer outro. O que ocorre é que sua presença nos holofotes revela o lado desumano de outras pessoas, por ignorarem que dentro da textura negra se encontra um indivíduo dono de si mesmo e com seu próprio potencial.
Talvez por nunca enxergar em Chocolate uma ameaça, Footit tenha o acolhido para alavancar sua fama novamente. O filme flerta com a possibilidade do palhaço branco ser gay, mas muito levemente, e de uma maneira meio covarde, para tentar isolá-lo das duras críticas aos brancos da época que o filme faz. No entanto, essas questões ficam jogadas ao ar apenas para tentar explicar alguns comportamentos estranhos do rapaz.
De uma forma ou de outra, o desempenho de ambos os atores é sensacional, mas se torna particularmente tocante acompanhar a evolução do personagem de Omar Sy, pois é ele que precisa se reerguer de sua infância de destratos e das humilhações que sua família passava em sua terra natal. Agora é sua responsabilidade moral entender tudo que existia de errado naquelas memórias, e agir conforme o que acha certo.
Felizmente, hoje em dia não é preciso dar sermões às pessoas para elas enxergarem o que é certo e errado no comportamento daqueles brancos de 100 anos atrás.
“Chocolat” (France, 2015), escrito por Cyril Gely, Olivier Gorce, Gérard Noiriel, Roschdy Zem, dirigido por Roschdy Zem, com Omar Sy, James Thierrée, Clotilde Hesme, Olivier Gourmet, Frédéric Pierrot