[dropcap]O[/dropcap]s protagonistas se reencontraram depois de muitos anos. Sua paixão era ardente, fazia a tela ficar vermelha. Mas eles não se abraçaram, tampouco trocaram beijos quentes. O tema da música nas legendas era a D.R. que move os casais. A melodia era tensa e a letra da canção refletia a angústia do abandono de 20 anos antes, quando o rapaz não foi corajoso o suficiente para assumi-la. Nunca deveriam ter se distanciado, entoava o hit.
Coisas de um musical.
A vida seria muito melhor se imitássemos esses filmes encantadores, para os quais muita gente torce o nariz. Sei bem que os críticos de musicais sentem vergonha de gostar deles e cantar junto. E sempre dão a velha desculpa de só estarem assistindo-o porque a mãe estava com o controle na mão, o mesmo pretexto quando alguém percebe o conhecimento profundo da novela das nove.
– Sabe como é, né? Não queria brigar com minha esposa outra vez – diz o colega na mesa do bar.
– Ah, eu dei uma “zapeada” no intervalo, acabei parando ali. Mas, nunca assisti, não, foi a primeira vez – responde o outro.
Fico pensando o quanto os dias seriam menos caóticos se assim acontecesse. Eu, indo para o trabalho num ônibus lotado: no lugar de som alto para além dos fones de ouvido causando constrangimento às velhinhas e senhores prezando pela moral e bons costumes, teríamos jovens a caminho da escola improvisando passinhos de funk, passando por baixo da catraca e fazendo o sedentarismo dar sinal e descer no ponto seguinte, com um impossível sorriso surgindo no canto da boca logo na segunda-feira pela manhã.
Chegaria ao trabalho e no momento em que meu chefe, sempre com cara de dor de barriga, me cobrasse um relatório ou apontasse uma letra equivocada no meio de milhares de células do Excel, imitaria uma voz de Frank Sinatra e os colegas de escritório fariam coro, reclamando o mau humor dos superiores e pedindo um pouco mais de paciência. Na letra, apontaríamos para a janela para mostrar ao homem de meia-idade, tão preocupado com seu cargo, a beleza do sol pela manhã para tirar o gosto amargo de seus dias.
Acho até que, ao ir embora para casa, encontraria gente dançando na chuva, marchando feito uma grande parada pelo centro da cidade, ou mesmo estalando os dedos enquanto dessem boa noite ao porteiro dos prédios gigantes. Certamente, seriam músicas muito mais alegres do que as melancólicas de términos de relacionamentos ou marchas de funerais chorosos.
Alguém poderia até me dizer que tudo ficaria mais brega. Seria estranho ver um monte de gente cantando, sem legendas espalhadas pelo ar, por coisas tão comuns e corriqueiras. Há quem fale de um ambiente insuportavelmente cafona e barulhento, com uma gritaria constante.
Mas, com certeza, se a vida fosse um musical, ela seria mais suportável.