Cinefilia Crônica | Soneca na poltrona vermelha


[dropcap]O[/dropcap] sono não dava as caras. Dia sim, dia não, precisava de um remédio pesado para descansar e trabalhar no dia seguinte. Floral, chá disso, chá daquilo, sessão do descarrego, talk shows noturnos, programas religiosos com ligações de pessoas enfrentando encostos e outras maledicências. Nada adiantava, não conseguia dormir como um ser humano normal.

Eu era um vegetal de olhos roxos e dores no corpo. Todos no escritório perguntaram se eu passava por algum problema, se havia algo errado comigo.

Na terça-feira, fui ao cinema depois do trabalho. Filme legendado. Se não podia dormir, ao menos me divertiria com ficção para ter dias melhores, menos cansativos. Senti toques no ombro, era um funcionário do shopping. Não havia mais espectadores naquela sala. Dormi ainda no trailer, lembrei.

Fui para casa e passei o restante da noite em claro. Indo para o trabalho, pensei se não havia descoberto a cura para a insônia. Saí do escritório e pelo segundo dia seguido fui para o cinema no último andar no shopping. Aguentei os primeiros dez minutos do filme de carros turbinados. Metade das cadeiras estavam ocupadas, o que me deixou constrangido. Tenho vergonha de roncar em público.

Quando comecei a entender a dinâmica da trama, apaguei. Acordei, novamente, com um funcionário da limpeza me acordando. Eu não poderia ficar ali, era proibido. Na volta para casa, tive a ideia de incluir na mochila uma roupa mais leve, mas não tão esfarrapada quanto um pijama, para a sessão do dia seguinte.

Dessa vez, escolhi uma comédia romântica. Com menos barulho, eu apagaria ainda no primeiro ato. Era dublado. Tudo bem que as letrinhas abaixo da tela vão cansando os olhos nos dias de sonolência, mas ouvir meu idioma poderia facilitar o descanso.

No primeiro beijo dos protagonistas, as piscadas demoraram mais que o normal. Passei a ter dificuldades para deixar os olhos abertos. Cochilei, sonhei, vivi em outra dimensão por algumas horas. Acordei sozinho na sala. Tudo escuro. Me esqueceram por ali, ou quem sabe o pessoal da limpeza teve pena de me acordar.

Um coitado insone, devem ter pensado os funcionários do local. Voltei a dormir naquela poltrona vermelha. Não tinha como abaixá-la, mas era meu melhor sono nos últimos meses.

Acordei pela manhã e saí do shopping como se fosse um funcionário dali. O segurança me cumprimentou. Atravessei e tomei um café com leite na padaria em frente à gigante construção. Cheguei atrasado, dei uma desculpa qualquer. Ao fim do expediente, ganhei um elogio do meu chefe pelo meu rendimento naquele dia, resolvendo mais problemas que o comum.

Mais tarde, Voltei do supermercado e comecei a escrever de madrugada. Outra vez a insônia. Não quis recorrer a remédios ou poltronas. Para minha surpresa, dormi oito horas e só acordei com os gritos do despertador. Naquela noite, sonhei que era Charles Bronson e matava meu patrão. Cheguei atrasado no trabalho, como de costume.

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