Em 2013, Guillermo del Toro nos apresentou a mais um de seus imaginativos universos com Círculo de Fogo, um blockbuster repleto de carisma e criatividade para brincar com as convenções do gênero. Agora, retornamos ao mundo dos Jaegers e Kaijus em Círculo de Fogo: A Revolta, que perde muito do charme e da qualidade estética de seu antecessor, mas mostra-se eficiente.
Ambientado dez anos depois do primeiro filme, Círculo de Fogo: A Revolta retoma o formato do original para a sua introdução: somos jogados diretamente no meio da ação enquanto o protagonista, em off, contextualiza a situação. E o protagonista, agora, é Jake Pentecost (John Boyega), filho de Stacker Pendecost (Idris Elba), cujo sacrifício foi fundamental para que os humanos finalmente vencessem a guerra contra os destruidores Kaijus. Entretanto, como Jake faz questão de destacar, ele não é nada como seu pai. Com o fim da guerra, os Jaegers tornaram-se patrulheiros, enquanto alguns ¿ especialmente nas devastadas cidades costeiras ¿ roubam peças de robôs abandonados para construir Jaegers “piratas”.
Então, quando Jake é capturado pelos patrulheiros em um desses robôs não-autorizados ao lado da jovem Amara (Cailee Spaeny), ambos são levados para a PPDC, a maior força global de defesa contra os Kaijus, que segue determinada a deixar a humanidade pronta para o caso de os monstros retornarem. Lá, Jake assume a posição de instrutor, enquanto Amara é convocada a treinar e tornar-se oficialmente uma piloto. Entretanto, quando os Kaijus retornam, eles vão encontrar algo ainda mais surpreendentemente e que colocará em risco até mesmo a superforça da PPDC.
Grande parte da eficiência de Círculo de Fogo: A Revolta reside sobre os ombros de John Boyega, que continua mostrando-se um dos atores mais carismáticos de sua geração. Depois de salvar a galáxia outras duas vezes (em Ataque ao Prédio e, é claro, em Star Wars), Boyega embarca em mais uma missão com um personagem completamente diferente de Finn. Jake é impulsivo, frequentemente instável, irresponsável e, por vezes, imaturo ¿ nas mãos de um ator menos envolvente, poderia facilmente tornar-se insuportável. Mas Boyega deixa claro o tempo todo o quanto o comportamento de Jake é uma forma de autoproteção, já que ele mostra-se corajoso e leal com muito mais frequência ¿ e é divertido perceber, por exemplo, como ele declara “não ser tão bom em discursos motivacionais” quanto Stacker, apenas para declamar palavras que deixariam seu pai orgulhoso.
Igualmente eficiente é a jovem Cailee Spaeny, cuja Amara honra o legado de Mako Mori (Rinko Kikuchi) no que diz respeito a personagens femininas multifacetadas e destemidas no universo de Círculo de Fogo. Além disso, a garota cria uma dinâmica eficaz e divertida com Boyega e também se sai bem nas cenas com maior carga emocional.
Enquanto isso, Rinko Kikuchi tem pouco tempo de tela, mas transmite com força a inteligência e a determinação de Mako Mori em sua nova fase de carreira. Outros dois personagens que retornam do original são o Dr. Hermann Gottlieb (Burn Gorman), que diverte por não ter mudado nada, e o Dr. Newton ¿ ou apenas Newt ¿ Geiszler (Charlie Day), um personagem carismático e energético no primeiro longa que, aqui, ganha um arco dramático mal explorado que é um dos maiores pontos fracos da produção, especialmente considerando o peso que ele tem para a trama como um todo.
No time de novatos, além dos recrutas que treinam ao lado de Amara ¿ e que são carismáticos e funcionam como grupo, apesar de não terem tempo para se estabelecerem como indivíduos ¿, temos Liwen Shao (Tian Jing), executiva de uma empresa que planeja substituir os pilotos de Jaegers por drones controlados remotamente. Trata-se de uma personagem complexa criada com talento por Jing, que transforma-a em uma mulher poderosa que recusa-se a se encaixar em qualquer clichê e que, conforme o longa avança, tem cada vez mais chance de mostrar sua esperteza e audácia. Diante dessas ótimas e fortes personagens femininas, entretanto, é uma pena ver que a obra se limita a apenas objetificar Jules Reyes, vivida pela porto-riquenha Adria Arjona.
Enquanto isso, as sequências de ação mostram-se eficazes, ainda que jamais apresentem a mise-en-scène elegante e a estética diversificada de del Toro. Mesmo assim, elas funcionam graças aos (ainda) excelentes efeitos especiais, que conferem peso aos Jaegers e Kaijus e, portanto, trazem profundidade aos seus movimentos e embates. Isso é fundamental para que o diretor Steven S. DeKnight possa, por exemplo, mostrar a diferença com que um determinado grupo de Jaegers move-se de forma completamente diferente dos demais, ou para explorar de maneira divertida as possibilidades e habilidades de um Jaeger pequeno como o construído por Amara. Por outro lado, é uma pena que tais sequências sejam embaladas pela trilha sonora pouco inspirada de Lorne Balfe, que só consegue ser memorável quando remete à canção-tema composta por Ramin Djawadi para o filme original.
Círculo de Fogo nasceu da paixão de Guillermo del Toro pela cultura japonesa, especialmente pelos monstros reinados por Godzilla e pelas criaturas fantásticos de Ray Harryhausen. Esse amor todo mantém-se distante de Círculo de Fogo: A Revolta, fazendo com que esta sequência perca muito do charme do original. Mesmo assim, o coração do longa está no lugar certo, e é um prazer retomar a esse mundo com regras bem estruturadas e tantas possibilidades.
“Pacific Rim Uprising” (EUA/Chi, 2018), escrito por Steven S. DeKnight, Emily Charmichael, Kira Snyder e T.S. Nowlin, dirigido por Steven S. DeKnight, com John Boyega, Cailee Spaeny, Scott Eastwood, Charlie Day, Tian Jing, Jin Zhang, Rinko Kikuchi, Burn Gorman, Adria Arjona, Karan Brar, Wesley Wong, Ivanna Sakhno, Mackenyu, Lily Ji, Shyrley Rodriguez e Rahart Adams.