Esta crítica contém spoilers.
Cortinas Fechadas é um filme peculiar em sua essência. Escrito e co-dirigido pelo iraniano Jafar Panahi (em parceria com Kambuzia Partovi), o filme é, ao mesmo tempo, completamente subjetivo e autoral. Como consequência, tudo que se vê na tela é aberto à interpretação do público. Desta forma, excepcionalmente neste caso, esta crítica conterá inúmeros spoilers, já que a própria sinopse do longa entrega seu desfecho e, assim, torna impossível avaliar o filme sem que pontos cruciais deste sejam abordados.
Criando uma estrutura enigmática para o que ocorre na tela, Panahi constrói neste longa –
vencedor do prêmio de Urso de Prata em 2013 – uma trama que segue um escrito sem nome de meia-idade buscando refúgio em um casarão à beira-mar. Desde seu início contando com longas – quase intermináveis – tomadas, o longa projeta uma sensação clara de tristeza e melancolia. Numa certa noite, dois jovens irmãos invadem sua casa em busca de refúgio, dizendo estarem fugindo da polícia e quando o irmão parte da mansão durante a madrugada em busca de ajuda, ele avisa ao escritor que sua irmã possui tendências suicidas e pede para que o homem tome conta dela enquanto ele não volta. Já no segundo ato, o longa adota uma estrutura mais surreal mostrando o diretor do filme com sua equipe, enquanto os personagens tentam interagir com ele, transformando tudo que havíamos visto até então em algo completamente diferente.
Tudo isso tem um motivo para ser como é, e este motivo é o fato do diretor Jafar Panahi ter sido acusado – e condenado – por tentar fazer um documentário que incitasse à violência sobre as agitações que transcorreram durante a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad em 2009. Como pena, Panahi foi condenado a 6 anos de prisão e 20 anos de proibição de fazer filmes. Após a condenação, o diretor então decidiu ignorar a sentença e continuar a fazer filmes, agora ainda mais politizados do que antes, começando com Isto não é um Filme (2011), um documentário filmado com uma câmera comum e com seu próprio iPhone sobre seu julgamento e condenação. Já em Cortinas Fechadas, Panahi resolve criar um filme que espelhe aquilo pelo qual está passando, retratando a mansão ao mesmo tempo como prisão e refúgio (note como as cenas inicial e final lembram a entrada e a saída de um ambiente cercado por grades). Mas o filme vai muito além disso, buscando retratar o estado psicológico do autor, fazendo com que cada personagem (um suicida, um escritor, um diretor, um fora da lei) represente cada uma das faces desta pessoa que se chama Jafar Panahi.
Experimental e ousado, o longa se utilizada de uma metalinguagem que vai além da tela de projeção. Mas esta também é, simultaneamente, sua ruína. Filmes são um método de contar histórias. Seu principal objetivo é entregar uma narrativa ao público, seja o filme indie, artístico, mainstream ou experimental. E neste aspecto, Cortinas Fechadas é um longa que falha ao demandar de seu espectador um conhecimento extra filme sem o qual o longa faz pouco – ou nenhum – sentido. Pior que isso, mesmo que conheçamos seus motivos, o roteiro feito por Panahi é completamente pessoal nos dando a sensação de estarmos vendo a conversa de um grupo de amigos da qual não entendemos nada por não fazermos parte daquele círculo de amizade.
O longa falha igualmente ao trazer um ritmo tão lento que ultrapassa o angustiante (que, aparentemente, é o que o diretor busca) e atinge o maçante, ainda que tomadas interessantíssimas sejam construídas aqui e ali durante a projeção, como aquela já citada em sua abertura, ou ainda, esta a minha favorita, a que mostra o diretor indo embora de carro até que o veículo saia do nosso campo de visão, para então retornar para buscar um de seus “alter egos”, como se fosse uma parte dele que ele não pudesse deixar para trás.
Infelizmente, o longa acaba funcionando mais como incitador de discussões (mesmo que estas sejam interessantes e complexas), do que uma obra que funcione por si própria. E é indiscutível que o filme é monstruosamente mais fraco se visto fora de contexto. Como problema adicional ainda temos o fato de Panahi, como ator, ser bastante limitado, algo que não só incomoda, como torna os paralelos criados no longa bem mais rasos, mostrando claramente que seu objetivo primário era de cunho político, não artístico.
Assim, Cortinas Fechadas serve como estimulante para buscar saber mais sobre a conturbada história recente do Irã. Mas é um projeto que sofre para que sequer consigamos classificá-lo como “filme”. Uma coisa é certa, é uma obra para ser amada ou odiada.
Pardé (2013), escrito por Jafar Panahi, dirigido por Jafar Panahi e Kambuzia Partovi, com Kambuzia Partovi, Maryam Moqadam, Jafar Panahi e Hadi Saeedi.