Deserto Particular | Crítica do Filme | CinemAqui

Deserto Particular | Sobre verdades


Nada em Deserto Particular é o que parece. Talvez o espectador demore um pouco para perceber isso, mas assim que descobre, o resultado é algo que ele realmente não esperava. E sempre que uma situação dessas acontece em um filme, o maior ganhador é quem está do lado de cá da tela.

Mas antes disso, esse mesmo espectador vai ser perder no inteligente roteiro escrito pelo diretor Aly Muritiba em parceria com Henrique dos Santos. Logo de cara, esse mesmo espectador vai ser levado a crer que está vendo um forte filme sobre um policial, Daniel (Antonio Saboia), tendo que lidar com o pai idoso e uma investigação interna que o afastou do serviço e colocou sua carreira em risco.

Entretanto, Deserto Particular não é sobre isso, nem ao menos os créditos iniciais do filme tiveram início. Já que Daniel está apaixonado, seu amor está em algum lugar da Bahia, Sarah. Mas eles nunca se viram, esse amor é virtual, mas Daniel está “sozinho no mundo”, julgado, desesperado, desesperançoso. Para Daniel, falta Sarah.

Deserto Particular pode até parecer que começa quanto o título surge na tela enquanto Daniel entra em seu carro e sai de Curitiba em busca de seu amor, mas o filme começou bem antes. Não para usar essa trama como ponto de partida de qualquer outra história, mas sim para o espectador entender quem é Daniel. Infelizmente, já que quanto mais o filme chega em sua real história, mais o espectador se prepara para esse final inexoravelmente doloroso.

Mas também o filme de Muritiba não está satisfeito com essa obviedade, ele pode mais. E vai além. O “deserto particular” de Daniel passa não só pelo clima nordestino e a fotografia quente, mas sim pela solidão de suas decisões. Talvez não só aquelas que ele já tenha tomado, mas também as que ele irá tomar. Falta um pedaço de Daniel e o filme não está falando só de seu braço quebrado e um gesso que o acompanha por quase toda história. Falta seu amor. Falta a verdade, e as vezes a verdade não vale nada.

A verdade de Daniel não é uma verdade, mas sim um desejo. Sua verdade está ao seu lado na barca, mas, nem ele, nem o espectador, irão ser avisados disso. Muritiba expõe essa verdade antes de tomar uma decisão ainda mais poderosa, a de abandonar seu (suposto) protagonista para conhecer seu real protagonista. Daniel fica preso a uma encruzilhada moralista e o diretor não quer mais olhar para ele, têm coisas melhores para entender.

O foco emocional de Deserto Particular é Sarah, por mais que falar muito mais sobre ela acabe se tornando um spoiler. Muritiba constrói esse segundo momento com delicadeza, não só por esse amor dos dois, mas também por entender o que há por trás de Sarah. E o filme muda junto com ela, se torna solar, esperançoso, colorido, quente e apaixonado. Deixa Daniel em seu mundo obsessivo e dolorido para buscar uma razão para continuar com esperança. Sarah tem uma razão para acreditar que existe vida além dessa encruzilhada.

Mas ainda assim o resultado é um filme que não se permite ter sentimentos simples. A complexidade da situação de ambos passa pelos encalços nos caminhos dos personagens. O diretor não descarta nem por um segundo, soluções que, mesmo positivas e que acreditam do que o ser humano tem de melhor, ainda assim são complexas e delicadas. Soa paradoxal, mas Deserto Particular não quer ser desvendado com sentimentos simples.

Existe no final desse caminho um “felizes para sempre”, Muritiba planeja isso em cada cena, tem uma direção clara e nunca engana o espectador, por mais que possa. A verdade que move essa trama pode não ser só uma verdade, mas sim verdades. E elas ficam ainda mais sinceras diante da dupla de protagonistas, como se fossem dois lados de uma mesma moeda, personalidades completamente opostas, mas que se completam graças a um amor que fica ainda mais visceral sob a câmera de Muritiba.

Talvez o espectador demore um pouco para perceber a possibilidade de Deserto Particular chegar em um final feliz, sincero, bonito e cheio de emoção. O deserto fica para trás através da janela do ônibus, mas o que vem depois disso é só o começo, tanto para Daniel, quanto para Sarah.


“Deserto Particular” (Bra, 2021); escrito por Henrique dos Santos e Aly Muritiba; dirigido por Aly Muritiba; com Antonio Saboia, Pedro Fasanaro, Luthero Almeida e Thomas Aquino


Trailer do Filme – Deserto Particular

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