O conto de fadas moderno retratado em Dinheiro Fácil passou batido por mim, por razões que o próprio filme, de certa forma, explica: era 2020 e todo mundo (ou melhor, todo mundo com o mínimo de bom senso) estava tentando sobreviver em meio à tragédia e à melancolia ocasionadas pela pandemia de Covid-19. Para Keith Gill (Paul Dano), um analista financeiro frustrado e que tinha acabado de perder a irmã, isso envolvia fazer lives analisando ações da Bolsa. Até que seu entusiasmo pelas ações da GameStop contagiam sua audiência, que se expande muito além do esperado e torna a empresa de games a mais quente da Bolsa – para desgosto dos bilionários de Wall Street, acostumados a dominar o mercado.
Desde a abertura do filme, que apresenta os personagens acompanhados de suas rendas — que vão de saldos negativos a alguns milhares de dólares a saldos bilionários —, o diretor Craig Gillespie não esconde com quem a simpatia do filme e da audiência está: com as pessoas comuns, sem grana, que enxergam investimentos em ações como uma forma de, quem sabe, virar o jogo pelo menos um pouco. De jeito nenhum com os bilionários focados não apenas em manter e multiplicar seu dinheiro, mas a manter e multiplicar seu poder às custas de quem for.
Baseado no livro “The Anti Social Network”, de Ben Mezrich, o roteiro de Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo lida com destreza com uma necessidade intrínseca a filmes que lidam com finanças: explicar conceitos e mais conceitos a um público, em sua maioria, leigo — afinal, o próprio rol de personagens conta com diversos investidores menos experientes, como a Jenny de America Ferrera. Mas voltando a Ben Mezrich, autor do livro em que Dinheiro Fácil é baseado: também é dele “The Accidental Billionaires”, que deu origem a A Rede Social, de David Fincher, e que traz em seu rol de personagens os gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss, que… são produtores executivos de Dinheiro Fácil. Coisas de Hollywood: estão diretamente envolvidos no filme duas figuras que representam perfeitamente a arrogância dos ricaços no filme de David Fincher e também no de Gillespie.
Enquanto America Ferrera, Anthony Ramos e outros atores do grupo “gente normal” do longa dão vida a personagens propositalmente pouco desenvolvidos — eles representam mais ideias comuns a certos nichos do público conquistado pelo alvoroço GameStop do que personagens com suas próprias jornadas —, Paul Dano navega perfeitamente entre a sua persona “Roaring Kitty” e os medos e esperanças de alguém que, em meio à desolação, enxerga uma luz no fim do túnel e se prende a ela com todas as forças; é fácil comprar seu foco na GameStop como paixão, determinação e estratégia, e não como pura teimosia. É uma pena, porém, que sua principal companheira de cena, Shailene Woodley, seja o papel clichê da esposa que incentiva ou repreende o marido — conforme o roteiro pedir — e que serve como receptora dos pensamentos e emoções dele, não como personagem própria.
Ainda que a energia pulsante de Gillespie apareça em doses moderadas aqui, concentradas nas montagens que reúnem notícias, memes e posts nas redes sociais e mais diluídas no restante do filme, Dinheiro Fácil é uma obra honesta sobre as diferenças fundamentais entre aqueles que buscam e enxergam o dinheiro como oportunidade e segurança versus aqueles que o têm como forma de dominação dos demais.
“Dumb Money” (EUA, 2023); escrito por Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo a partir do livro “The Antisocial Network“, de Ben Mezrich; dirigido por Craig Gillespie; com Paul Dano, Shailene Woodley, Pete Davidson, America Ferrera, Seth Rogen, Vincent D’Onofrio, Anthony Ramos e Sebastian Stan.
SINOPSE – Um cara normal com um canal pouco importante sobre ações acaba criando uma onde de valorização da Gamestop, o que acaba colocando em risco os milhões de dólares de figurões de Wall Street que achavam que estavam fazendo apostas garantidas.