Distrito 9 é um daqueles exemplos de filmes que parecem preocupados em se destacar diante da maioria, inconformado diante de uma mesmice na qual o cinema parece estacionado. Isso, mesmo na ficção-científica, que tem por costume uma inquietação que sempre a caracterizou e é justamente essa inquietação de tentar contar algo novo que move seus fãs e faz do filme de estreia de Neil Blomkamp imperdível.
Nascido de um curta metragem que já apresentava de modo competente a trama do filme, Distrito 9 mostra, na verdade está mais para documentar a chegada de uma grande nave alienígenas sobre a cidade de Johanesburgo (África do Sul) há vinte anos. O retrato passa então por todo o problema com que os aliens, pejorativamente chamados de “camarões” (no original “prawns” que é uma espécie de grilo), trazem a cidade mais rica do país a partir do momento que são enclausurados em uma espécie de favela cercada, o tal distrito do título. Dentro do filme, seu ponto de partida é o momento em que as autoridades do governo resolvem realocar os mais de um milhão de moradores do tal distrito para uma área afastada da cidade.
A chave de tudo, e que realmente move a história, é uma impressão de “Deja vú” que ele acaba criando, já que estamos falando da África do Sul e de uma espécie de “campo de concentração” que serve para segregar uma raça indesejada. Retire os aliens e coloque os negros e mude o Distrito 9 para Soweto (onde a produção foi filmada) e você dá de cara com o infâme Aparthaid que sujou as mesmas ruas até os anos 90. E é essa força crítica que dá combustível a Distrito 9, principalmente por ele “brincar” com essa semelhança.
Durante todo o filme, o espectador sente estar vendo uma espécie de documentário, e isso carrega o filme com uma veracidade estratégica que faz todos “comprarem-o” já em seus primeiros minutos. É como se você fosse incapaz de não acreditar naquilo, já que está vendo autoridades e especialistas comentarem aquele assunto, ao mesmo tempo em que imagens de arquivo e câmeras de segurança ilustram o que está sendo contado. Uma sacada genial, principalmente quando se percebe que a grande maioria do filme não é assim, e é até feito de um modo bem tradicional, mas se tornando imperceptível para quem já está capturado por essa estética. Bloomkamp sabe que está dialogando com uma geração tão acostumada a um tipo de imagem mais crua (celulares e webcans) que parece se esforçar para fazer o filme andar nessa direção e iludir ainda mais o espectador. 90% de suas imagens jogado no youtube, passaria como real, seus outros 10% compõe perfeitamente a narrativa do filme.
E essa veracidade, só funciona por não “pegar leve” com os aliens, que na melhor das definições acabam se tornando um produto sub-humano, viciado em ração de gato e que vivem cercado de pobreza e lixo, além de um aspecto insectiforme meio repugnante, mas que, em contrapartida, desde o começo são mostrados como um produto da segregação, uma vítima da sociedade. Em nenhum momento Blookamp se preocupa em traçar heróis ou vilões, simplesmente deixa o espectador perceber que você não está do lado dos mocinhos. E mesmo assim, quando um suposto “salvador” dá as caras, é um personagem quase sem escrúpulos, que não parece discordar de todo racismo da situação, egoísta e que faz de tudo para salvar a própria pele, já que acaba se transformando na peça que faltava para o governo conseguir usar o poder bélico dos extraterrestres. É aí que começa o filme tradicional.
Bloomkamp joga o espectador em um filme de ficção puro e simples, onde o herói tem que sobreviver às voltas com uma raça que quer capturá-lo a fim de fazer algumas experiências de laboratório, no caso, algo um pouco mais profundo que isso e mais perto de um estudo de suas partes separadas em salas diferentes. Ah, essa raça é a humana. Uma prova de que ainda assim Bloomkamp parece preocupado em mostrar um filme que tem algo a falar.
Ao redor de tudo isso, com uma ajuda do dinheiro de Peter Jackson aqui como produtor (além de um “presents” antes mesmo dos créditos iniciais), Distrito 9 ainda dá um show de efeitos especiais, concisos e sempre preocupados em compor um visual real, que tem o cuidado de não perder essa verossimilhança e precisa passar pelo filme como se fosse a coisa mais normal. Da enorme nave-mãe planando onipresente sobre o céu da cidade aos ETs, passando por uma gama enorme de pessoas voando e explodindo. Exagerando um pouco em sujar a lente da câmera com sangue, mas sempre imagens tratadas com uma veracidade que combina perfeitamente com essa estética do “real”.
Distrito 9 vai lá atrás dialogar com Canibal Holocaust e seu filho mais famoso Bruxa de Blair, que tentavam conversar com a realidade ao mesmo tempo em que faziam terror, vem na mesma esteira que [Rec] e Cloverfield, que esse ano ainda ganham outro primo, Atividade Paranormal. Filmes que apostam nessa geração que filma tudo ao seu redor, mas Distrito 9 talvez vá ainda um pouco mais longe quando faz um documentário com essas imagens tremidas e amadoras ao mesmo tempo que não deixa um segundo de discutir um assunto pertinente. Uma inquietação que combina perfeitamente com seu estilo visual arrojado e moderno
“District 9” (EUA/NZL, 2009); escrito por Terri Tatchell e Neil Bloomkamp; direção por Neil Bloomkamp; com Sharlto Copley, David James, Jason Cope e Vanessa Haywood
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[…] do Sul, Neil Blomkamp tem apenas 34 anos, mas já em seu currículo um baita sucesso de bilheteria, Distrito 9, fator que, com certeza, lhe permitiu assinar essa sua nova ficção científica, Elysium, muito […]
[…] Blomkamp é um diretor que tem uma filmografia renomada, Distrito 9 e Elysium, e terá um grande material para trabalhar, já que Gran Turismo é uma das franquias de […]
Bom dia, tenha uma semana abençoada
beijos