Se tem alguém que manja de filmes policiais com uma dupla puco convencional de personagens, esse alguém se chama Shane Black. E Dois Caras Legais é somente isso: uma tentativa de se divertir com o gênero, com um cara que sabe muito o que está fazendo e estrelando dois outros caras que são muito bons naquilo que fazem.
No currículo de Black, se não bastasse o roteiro dos quatro primeiros Maquinas Mortíferas, você ainda pode encontrar O Último Boy Scout, O Último Grande Herói e O Despertar de um Pesadelo. Mas, mais recentemente (fora Homem de Ferro 3, que também dirigiu), o diretor realmente se redescobriu no excelente “Beijos e Tiros”, que é quase um primo conceitual desse seu novo filme.
Em ambos, o foco, mais que nos personagens e em um trama meio noir moderna, vai de encontro ao fã do gênero e na possibilidade de surpreendê-lo ainda que do jeito mais ridículo e inesperado possível. O resto vem junto e a diversão é completa, ainda que esse humor meio cara-de-pau demore a ser administrado pelo público, o que faz com que, tanto o novo Dois Caras Legais, quanto Beijos e Tiros sejam filmes esquisitos antes de serem divertidos.
Nesse mais recente, Russel Crowe vive Healy, uma espécie de “mão de obra contratada” caso alguém precisa de um puxão de orelha, enquanto Ryan Gosling é March, que de acordo com sua própria filha é “o pior detetive particular do mundo”, meio atrapalhado, fácil de ser enganado e com uma fraqueza para bebidas. O caminho dos dois se cruza quando o segundo é contratado para investigar a aparição de um estrela do pornô morta e o primeiro é contratado para surrá-lo.
E como estamos em Los Angeles no ano de 1977, o que não falta é um colorido e um calor que acompanham um trilha sonora incrível e um monte de personagens cheios de estilo e personalidade. E dentro disso, Shane Black, em parceria com Anthony Bagarozzi, criam uma trama que soa até complicada em suas motivações, ainda mais quando entram em cena os vilões, mas que sempre optam pelas soluções mais inesperadas e divertidas. Portanto, se você é daqueles que viu muitos filmes policiais, com certeza ainda assim vai se surpreender com um punhado de momentos.
Se surpreender e morrer de rir, já que Black está sempre em busca do chiste ao gênero, ainda que nunca perca a mão da seriedade da trama (igualzinho ele cansou de fazer nos textos de Maquina Mortífera). Grandes diálogos e uma completa loucura então acabam sendo umas das melhores coisas de Dois Caras Legais. Ainda que o melhor de tudo seja mesmo os “dois caras”.
Crowe e Gosling estão incrivelmente à vontade nos personagens, e a química imposta por Black só faz essa relação ser mais divertida ainda. O roteirista/diretor é um daqueles que sabe muito bem criar seus personagens, e aqui ele não faz diferente, não só focando naquela boa e velha diferença de personalidade que os liga, mas também no quanto eles se completam. Healy é só coração e músculos, um trator que passa por cima das pessoas, enquanto March é pragmático e astuto, chegando sempre às soluções de um jeito meio destrambelhado e desajeitado. Um caos que começa nos dois e termina com boas risadas e muitos tiros.
Dois Caras Legais é então um daqueles filme onde tudo dá certo: um clima divertido como só o final dos anos 70 poderia dar, uma trilha sonora incrível, um diretor que entende do gênero, dois personagens com uma química incrível (e dois atores em trabalhos melhores ainda), muita ação e um bom humor inteligente para coroar tudo isso.
“The Nice Guys” (EUA, 2016), escrito por Shane Black e Anthony Bagarozzi, dirigido por Shane Black, com Russel Crowe, Ryan Gosling, Angourie Rice, Matt Bomer, Margaret Qualley e Kim Bassinger.