Domingo e a Neblina | Sufocante e estonteante

Repleto de imagens tão sufocantes quanto estonteantes, Domingo e a Neblina é um drama intimista e duro ambientado em uma cidadezinha isolada nas florestas da Costa Rica, o que torna tudo ainda mais sufocante e estonteante. Não é à toa que o filme tem o título que tem: Domingo e a neblina são igualmente protagonistas, ele tentando lidar com sua situação de tristeza e fantasia, ela tentando ocupar o espaço que lhe é de direito.

O idoso Domingo (Carlos Ureña) vive sozinho em uma casa em uma pequena vila interiorana na Costa Rica, perto da cidade onde vive sua filha, Sylvia (Sylvia Sossa). Sua esposa faleceu há pouco tempo e, agora, representantes de uma construtora visitam os vizinhos de Domingo para falar sobre a obra que está para ser iniciada; eles têm que vender as casas para abrir espaço para uma estrada, que tomará o lugar dos lares da pequena vila.

Mesmo reticentes, uma a uma, a construtora adquire as casas humildes; quando chega a vez de falarem com Domingo, porém, ele bate o pé: dali ele não sai. Você poderia vir morar comigo, diz a filha, mas ele não quer saber; dali, ele não sai. A partir daí, o que poderia ser “apenas” a história lutando pelo direito de permanecer em sua própria casa vai ganhando contornos (ainda) mais sombrios.

Afinal, Domingo não quer permanecer no lar por si mesmo, e sim porque é ali que ele recebe as visitas da neblina, ou melhor, de sua esposa. Quando ela aparece, ele se agasalha: “Fica frio quando você chega e eu quero que você fique”, diz ele. O diretor e roteirista Ariel Escalante Meza acertadamente não tenta limitar o fenômeno e a explicações, até porque a narrativa é toda contada do ponto de vista do protagonista. Então, o que sabemos é o que ele sabe, incluindo que a neblina aparece e nela Domingo sente a presença da esposa.

Sylvia nunca viu a mãe da mesma forma que o pai a enxerga, o que gera sentimentos profundos e contraditórios: dúvidas, preocupação sobre a sanidade do pai, mas também dor e abandono — se a mãe vai visitá-lo, por que nunca a visitou também? Sylvia sente tanto a falta da mãe quanto Domingo, mas não é apenas a saudade e a dor da perda que o impedem de deixar a esposa partir de vez; há também arrependimentos profundos, sobre os quais Domingo anseia por uma chance, tardia, de reconciliação e perdão, de fazer diferente.

A neblina, tão familiar às paisagens costarriquenhas em que o longa se passa, tão nativa ao que vemos em tela, representa então não somente a esposa de Domingo, mas também a força da própria natureza; ambas lutando pela permanência, pela sobrevivência. “Eu escolho ser vento”, diz o poema declamado aqui com uma voz feminina, que remete à figura da esposa e da neblina. O vento que preenche, toma e fere.

Conduzido com segurança por Escalante Meza, Domingo e a Neblina nos envolve em uma jornada mística, profunda e melancólica sobre perdas, poderes inquestionáveis e como eles são capazes de dobrar o mundo à sua volta.


“Domingo y la Niebla” (Cr/Qat, 2022), escrito e dirigido por Ariel Escalante Meza; com Carlos Ureña, Sylvia Sossa, Esteban Brenes Serrano e Aris Vindas.


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Trailer do Filme – Domingo e a Neblina

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