Não há surpresa em Dredd, nova adaptação do personagem inglês da revista 2000 AD, ser um tiro na mosca, o inesperado foi aquela atrocidade de 1995, estrelada por Sylvester Stallone e Rob Schneider. E a principal razão para essa diferença é aquela mesma que atrapalha nove entre dez adaptações dos quadrinhos para o cinema: não perceber o material que tem em mãos.

Alex Garland (roteirista, também responsável por textos geniais como o dos filmes Sunshine e Extermínio, além de ter escrito o livro que inspirou A Praia) percebe isso, e o resultado é uma história com o Juiz mais famoso de Mega-City Um, e não uma história “do” próprio. A diferença está no ego, em introduzir Dredd em uma história e não o contrário, já que seria (e foi em 1995) um desperdício de tempo tentar traçar uma profundidade psicológica em um personagem marrento, violento e objetivo como Dredd. Mantendo o que dá certo há mais de 30 anos nos quadrinhos, Dredd aposta na personificação de uma ideia e não em um homem.

Não existe um Dredd, mas sim uma cidade, em um futuro distópico, empesteada com um nível incompreensível de criminalidade (como mostra, em certo momento, a pequena tela cheia de pontos vermelhos). Para combater isso (na verdade apenas 6% disso) existem esses Juízes, e em um momento de sorte (ou azar), um deles, o Juiz Dredd (vivido por um Karl Urban, que se deleita com a possibilidade da característica boca curvada do personagem nos quadrinhos), acaba dando de frente com um crime em um dos muitos mega-prédios (ou espécies de bairros verticais) dessa enorme metrópole. Mas o lugar é comandado por uma traficante chamada Ma-Ma (Lena Headley, de Game of Thrones), que decide que Dredd (e sua parceira novata) não saiam vivos do prédio.

É lógico que tudo isso tem uma razão para acontecer, e nesse caso Garland é cirúrgico e não deixa que sua trama tenha sequer um momento descartável. O roteirista embarca então em um esforço para fugir de “diálogos explanatórios”, “dicas” e “clichês”, fazendo com que Dredd ganhe um ritmo impressionante, já que em momento algum aquela linha, que começa com a apresentação do personagem perseguindo um trio de marginais (e que introduz a tal droga Slo-Mo) e vai até o final do filme, exista uma pausa. Uma linearidade que não permite um segundo de desatenção.

Melhor ainda, Garland consegue enganar o cinema inteiro ao distribuir o que parecem serem “iscas” a serem resgatadas depois, mas que, nesse caso, só fazem parte de sua história. Portanto, não fique esperando que a arma de Dredd tenha um “momento só dela” (e preste atenção no desenvolvimento sutil de todas suas funções), nem que a “parapsicologia” da parceira dele (tremendamente bem usada durante todo filme) apareça no clímax final “como uma surpresa”. Tudo tem seu espaço, mas um espaço real, que não espera os momentos finais para acontecer e não te desprende em segundo sequer daquele mundo. Daquela trama. Portando apenas relaxa e aproveite o show.

O outro responsável por “esse show” é o diretor Pete Travis (do esforçado Ponto de Vista), que, embarcando na trama e não atrapalhando com qualquer tipo de “assinatura”, prima por um trabalho extremamente competente e preciso. Além do cuidado com pontos de fuga (como quando no início do filme ele sempre coloca bem Dredd em cena e, mais tarde, quando dá de cara com outros juízes, não se esquece de procurar destaque para a insígnia do mesmo), Travis ainda entende perfeitamente, tanto a função do 3D, quanto a função do slow-motion. Dois fatores que são cada vez mais mal usados no cinema de ação.

O diretor dá profundidade a seu filme, abrindo seus planos e deixando que os vários detalhes da cena “respirem” em seus devidos lugares, assim como usa extremamente bem o artifício da droga Slo Mo, que desacelera a sensação de tempo do usuário (em uma referência óbvia), para refletir isso em suas cenas de ação em slow-motion. Como uma regra, que convence a todos que estão no cinema, Travis só permite a câmera lenta quando se coloca pela ótica do uso da substância. Um acordo de cavaleiros entre ele e o espectador.

Todo esse ótimo trabalho técnico ainda se mistura com a sensibilidade do quanto violento é o personagem e do quanto isso faz parte de sua personalidade. E isso, combinado com muito 3D e uma ótima caracterização dos heróis, é um deleite pra quem vai ao cinema em busca de um filme daquele personagem violentamente fascista que impõe a lei nessa cidade, por baixo daquele capacete, e não de um cara com a boca torta que foi preso injustamente e ainda ganha um sidekick como o Rob Schneider.


Dredd (EUA/RU/Ind, 2012) escrito por Alex Garland, inspirado pela HQ criada por John Wagner e Carlos Ezquerra dirigido por Pete Davis, comKarl Urban, Olivia Thirlby, Wood Harris e Lena Headey.


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