Duna: Parte 2 | Nasce um clássico

O que é necessário para um filme se tornar um clássico? Talvez não exista uma resposta direta e pragmática para isso, mas é possível reunir algumas qualidades que ajudariam uma produção a entrar nos anais da história da sétima arte. É preciso ser grande. Talvez épico. Muito provavelmente reunir uma equipe técnica que esteja em um patamar privilegiado de sua geração. Emoção é importante, seja em cenas de ação, diálogos, reviravoltas ou ritmo. Beleza visual ajuda. Criação de um mundo é um passo maior ainda. Personagens que o espectador vai aprender a amar é um toque final, são não mais importante do que se destacar dentro de seu gênero. Se for só isso (talvez não “só”), Duna: Parte 2 (junto com o primeiro), nasce clássico.

Bem verdade, qualquer Duna nasceria clássico só de ser anunciado. O de David Lynch (de 1984), mesmo com toda maluquice nunca será esquecido. O projeto não feito de Alejandro Jodorowsky é talvez um dos maiores filmes nunca realizados. Até a série de TV tem lá seus seguidores fiéis. Afinal, o livro de Frank Herbert é uma obra-prima tão poderosa e completa em suas intenções, que é difícil não conseguir aproveitar pelo menos algum de seus aspectos para fazer daquilo uma experiência poderosa o suficiente para o espectador.

É preciso dizer isso diante de um segundo filme que aceita muito mais uma porção enorme de mudanças diante do material original, levando a história para rumos que quase não chegam nos mesmos lugares das páginas, mas, ainda assim, constrói uma parte final que coloca ambos os filmes em um lugar de maestria. Um roteiro escrito pelo próprio Denis Villeneuve em parceria com Jon Spaiths onde a história se fecha enquanto abre as portas para o futuro, mas faz questão de percorrer um caminho onde tudo importa, cada cena, personagem, diálogo e ideia que foi meticulosamente estruturada, resulta em um espetáculo de emoção e tensão.

O sobrevivente Paul Atreides (Timothée Chalamet) e sua mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), agora estão entre os Freman comandados por Stilgar (Javier Barden). Mas o líder dos moradores do planeta Duna acredita profundamente na profecia de que Paul é o escolhido para levar seu povo até o Paraíso. E enquanto Jessica se torna uma espécie de líder religiosa dos Freman, Paul precisa lidar, tanto com suas visões, quanto com o amor por Chani (Zendaya), e com a ideia de realmente se tornar um Messias e, é claro, a possibilidade de juntar um exército para vingar a morte de seu pai e eliminar o Imperium, assim com os Harkonen.

Tudo bem, são nomes demais e ainda uma intriga política que sai do planeta Arrakis e viaja por esse universo onde as temíveis Bennet Gesserits continuam manipulando as cordas palacianas desses mundos enquanto buscam pelo poder. Sim, continua sendo muito coisas, mas ninguém chegará nesse segundo filme sem ter passado pelo primeiro e, muito menos, ficará decepcionado por nada. Tudo é bem amarrado, desenvolvido e levada para um final (conclusões) que oferece o que de melhor todas tramas poderiam ter.

Cada umas dessas linhas citadas e personagens envolvidos têm importância e função dentro da história de modo a dar a impressão de uma costura tão precisa que deixa a impressão de um cuidado absolutamente coerente com todos outros aspectos do filme.

Duna: Parte 2 é gigante e épico. Cada cena parece culminar em um clímax que pode ser emocional, mas também explosivo e visualmente poderoso. O mundo criado por Villeneuve e sua equipe de design de produção é detalhado em um nível que faz os espectadores se perderem completamente nesse lugar e deixarem com tudo que está na tela seja um espetáculo com poucos precedentes. Por ser um filme de ficção científica, a ideia de construir um mundo é quase obrigatória, mas fazer algo desse tamanho e precisão é um deleite para os fãs. Por isso, das composições mais amplas, até as cenas mais pequenas e próximas, tudo é impressionante e sem falhas. É impossível não acreditar em Duna: Parte 2.

O visual das naves, soldados e até da sociedade Freman parecem criar uma unidade tão poderosa, empoeirada e recoberta pela areia e especiaria, que sair daquele mundo e encontrar, por exemplo, Giedi Prime, casa dos Harkonnen, com seu Sol Negro, estabelece uma diferenciação visual que fará qualquer um ficar impressionado com o quantos ambos os visuais se completam de modo tão oposto. Do quente da areia, para o frio de um planeta preto e branco e que celebra uma violência que beira o descabido. Tudo unido não só por suas diferenças, mas por essa trama que junta tudo em uma mesma história e não deixa nada soar aleatório ou menos importante.

Mas isso quer dizer, obviamente, que Duna: Parte 2 não é um filme de ação qualquer, é bem mais que isso, principalmente, pois sabe que precisa montar essa emoção em cada um dos personagens. Então, nada de apenas diálogos jogados para ocupar as cenas entre aventura, tiros, golpes e vermes gigantes, mas sim uma construção com paciência e sensibilidade em cada cena. Nada é filmado como “só mais um diálogo”, mas sim é visto como um momento chave para o que vem a seguir. Por isso, até a menor da relação entre os personagens se torna um momento tão grande quanto uma máquina gigante sendo explodida.

Um cuidado que continua se estendendo para toda ideia intimista que se agarra ao protagonista. Suas visões, delírios e diálogos internos nunca atrapalham o andamento do filme e, talvez um pouco menos que no primeiro, porém eficiente, servem perfeitamente bem para mover as mudanças do herói. Timothée Chalamet aproveita isso para construir não só um herói trágico ou valente, mas sim alguém complexo e dolorido, que precisa lutar contra si mesmo diante da certeza de ele ser o próprio vilão de si mesmo. O ator cresce em sua raiva e segurança sem parecer exagerado, mesmo resultando em uma mudança absolutamente completa entre o jovem Paulo do começo do primeiro filme e (ao que tudo indica) o próprio Lisan al-Gaib.

Mas talvez o foco emocional do filme esteja na Chani de Zendaya, uma personagem que não quer participar de nenhuma profecia, mas quer acreditar em seu amor pelo forasteiro Atreides. Uma personagem que vive com uma raiva movida pela esperança de um mundo melhor, mas a certeza de que nada disso acontecerá diante de um passe de mágicas, mas sim de muita luta, literalmente falando. A atriz não só da conta do recado, como constrói ainda alguém que não se permite nunca ser dominada ou ignorada, que vai se levantar e enfrentar quem quer que seja, como faz ao não concordar com a amiga, com a ideia do messias ou se deixar no final ser só uma ferramenta de um futuro que ela nem acredita que poderia ser previsto.

Em meio a um elenco estelar que deixará os espectadores empolgados para cada lado que olhar, o outro destaque fica mesmo com o Feyd-Rautha de Austin Butler. Furioso, perigoso e descontrolado, mas, ao mesmo tempo, com uma sutileza e uma delicadeza que fazem o personagem ser o oposto perfeito do Muad´ib de Chalamet. Uma força da natureza tão perigosa quanto o messias Freman, mas com uma violência que joga naquele mesmo lugar dos opostos dos planetas.

Logicamente, Duna: Parte 2 faz tudo isso sem esquecer da responsabilidade de seguir a alegoria política que o autor Frank Herbert já tinha colocado em seus livros. E nesse caso, não existe sutileza. Os Freman não só tem nomes que lembrar uma certa parte do mundo onde seus recursos naturais foram explorados por um monte de impérios, como tem a oportunidade de escalar um elenco de apoio que reflete absolutamente bem assas cores e que destoam o branco quase esquálido e doente dos invasores. E se a ideia do “estrangeiro” que chega para salvar ainda pode parecer meio incômoda, talvez esse segundo filme explique melhor a ideia do autor de o quanto a personalidade do herói não tem a ver com de onde ele vem, mas sim com o seu futuro.

Ele sabe o quanto “o poder sobre a especiaria é o poder sobre tudo” e aceita a responsabilidade de que não é um “white savior”, mas sim o próprio vilão. Um peso que ele precisa carregar e que funciona também para mostrar o quanto esse lado político de Duna: Parte 2 é um esforço para comentar o quanto nada é uma dicotomia simples.

Tudo isso deixando Duna ainda mais complexo e poderoso. A cobertura perfeita para um filme com um visual lindo e um final absolutamente épico. Tudo em um mesmo lugar. E se isso não faz de os “dois Dunas” um clássico moderno de ficção científica, é difícil imaginar o que mais ele precisaria para encontrar esse título.


“Dune: Part 2” (EUA, 2024); escrito por Denis Villeneuve e Jon Spaihts, a partir do livro de Frank Herbert; dirigido por Denis Villeneuve; com Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Javier Bardem, Josh Brolin, Austin Butler, Florence Pugh, Dave Bautista, Christopher Walken, Léa Seydoux, Stellan Skarsgard e Charlotte Rampling.


Trailer do Filme – Duna: Parte 2

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