Editorial | Boy Erased e sua verdade anulada


[dropcap]N[/dropcap]ão acho que o cancelamento de Boy Erased: Uma Verdade Anulada tenha qualquer coisa a ver com governo nenhum.

Ponto final, na outra linha, parágrafo. Precisamos falar de outra coisa.

Talvez seja um problema de organização da distribuidora. Talvez ela tenha decidido ganhar mais “dinheiro fácil” jogando no streaming. Muit provavelmente ela tenha “guardado” um espaço para o filme, afinal, foi indicado a alguns Globos de Ouro e foi sempre apontado como um dos possíveis indicados ao Oscar na categoria de Melhor Ator. Não foi, e ela ficou sem o que saber fazer com o filme agora nessa época onde todas grandes estreia em território nacional parecem ganhar o selo de “Indicado ao Oscar”.

Mas a questão é que é sim preciso discutir se o conteúdo do filme pode ter pesado ou não nessas questões. Afinal, Boy Erased pode não ter sido um baita sucesso no resto do mundo, mas mesmo assim não seria a primeira vez que um filme fracassado nas bilheterias “ganharia uma chance” no Brasil, espremido entre mais algumas estreias que ninguém dá importância.

Quase sempre isso aconteceria em algum ponto entre março e maio, fora da semana onde algum blockbuster chamariam a atenção. Servindo de “segunda opção” para quem não quer saber o que o Thanos fez com os Vingadores.

Estamos falando de um filme com três atores indicados a outros Oscars, sendo dois deles ninguém mais, ninguém menos, que Russel Crowe e Nicole Kidman. O terceiro é o menino de Manchester à Beira Mar. Um filme que, para completar, é dirigido por Joel Edgerton, que todos devem conhecer de filmes como O Grande Gatsby, Ao Cair da Noite e Operação Red Sparrow.

Pensar que um cartaz com todos esses nomes não fosse chamar a atenção de ninguém é difícil de acreditar. Portanto, ignorar todas essas informações só porque “não foi censura” é no mínimo um descuido intelectual.

Estamos falando de um filme sobre um garoto gay, filho de um pastor batista, que acaba tendo que frequentar um “curso” que visa a sua “cura”. Talvez a censura não tenha vindo de nenhum órgão público, mas, pior ainda, pode ter vindo da previsão da reação de um filme como Boy Erased dentro de um público específico. Não seria honesto julgar a distribuidora por resolver tirar o filme dos holofotes e fugir de qualquer tipo de dor de cabeça enquanto pode lucrar a mesma quantia sem dor de cabeça.

Mas talvez seja necessário tentar começar a prestar mais atenção nesses detalhes. Já que uma espécie de “autocensura” talvez seja muito mais perigosa para o cinema (e para qualquer arte!) do que uma censura propriamente dita.

Será que se um filme com Russel Crowe e Nicole Kidman, mesmo sendo um fracasso no resto do mundo, não acabasse sendo lançado nos cinemas do Brasil em outro momento?

Talvez você não lembre que em 2015, um filme chamado Pais e Filhos, estreou no Brasil e ficou uma semana em cartaz. Foram US$ 42 mil de bilheteria em território nacional. O filme tinha Russel Crowe e Amanda Seyfried no elenco e suas caras enormes no cartaz. Talvez Boy Erased acabasse na mesma “prateleira”. Muito provavelmente esquecido, mas em “situações normais” pelo menos “veria” uma tela de cinema.

Não verá. Em primeiro lugar porque sua distribuidora (que eu não sei qual é e nem me importa dentro do assunto, é ela, mas poderia ser qualquer uma!) deve ter achado mais rentável colocar o filme em um catálogo de streaming. Mas mesmo que essa decisão não tenha sido tomada em razão de qualquer tipo de censura oficial (acredito realmente que não foi!), é impossível não pensar, nem por um segundo, que uma “censura oficiosa”, ainda mais perigosa, não a tenha influenciado essa decisão.

E enquanto houver a possibilidade de um filme ter sido “jogado de lado” em razão do receio de represálias de uma fatia da sociedade, isso deverá sempre ser discutido. O que não é discutido é esquecido, e esse tipo de situação não pode nunca sair do radar de quem sabe a importância que a arte tem de enfrentar e despertar o embate diante daquilo tudo que pode estar errado.

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