O Dia em que Hollywood Matou o Cult
por Vinicius Carlos Vieira
Talvez seja difícil precisar a partir de que momento o cinema passou a olhar algumas de suas produções como cults, mas provavelmente fica fácil saber quando isso parece ter acabado, já que hoje a expressão tomou um significado totalmente diferente. Para quem não sabe, em linhas gerais e simplórias, cult é aquele filme que fracassou monstruosamente nas bilheterias, ou perambulou por fora do grande circuito de estréias, mas ganhou uma sobrevida graças aos fãs e a critica especializada. Seu grande exemplo fica a cargo do clássico, e ícone da ficção científica, “Blade Runner” que nem ao menos pagou o quanto custou mas até hoje é um dos filmes mais celebrados da história.
Mas não é apenas esse calculo simplista, arrecadação menos orçamento, que cria um filme cult (deixando de fora o fator qualidade, por que isso deveria ser óbvio), já que, talvez o que mais defina-o seja uma vontade de escorregar, nem que apenas um pouco, para fora de uma mesmice estagnadora. Por definição um filme cult, antes de qualquer coisa, precisa ter por trás dele alguém a procura dessa fuga do status quo, e é exatamente nesse momento que Hollywood talvez tenha matado seus filmes cults.
Seria hipocrisia não citar Hollywood e muito menos tentar não enxergar que é ela que sempre serviu de termômetro cinematográfico para o mundo, já que é diante da recusa de seu “público alvo” que se criaram esses cults. E é justamente por isso que antes dos anos 70 o que poderia ser considerado cult, se tornou clássico, já que a história ficou distante e os números na bilheterias “falavam” muito menos. Foi exatamente essa dependência dos números que criou a idéia toda, e foi ela mesma que fez com que hoje ela fosse consumida.
A indústria cinematográfica dos Estados Unidos tomou para ela os filmes cults ao ver seu potencial e acabou com toda brincadeira.Talvez tenha vindo com a Miramax emplacando uma sequencia de indicações ao Oscar, ou com uma década de 90 equivocada no caminho que pretendia apontar, ou simplemente uma preguiça criativa das cabeças que pensavam os filmes, mas, enfim, foi desse emaranhado de acontecimentos (e provavelmente mais um monte de outros) que o cult pisou no maistrean e gostou da sensação.
Aquele mesmo Steve Soderbergh, com seu “Sexo, Mentiras e Videotapes”, que catapultou o nome da Miramax como uma produtora de filme independentes de qualidade, hoje não tem o menor pudor de desbravar as bilheterias com “um monte de homens e seus segredos”. Não que ele esteja errado em calcar um lugar ao sol, o problema é a própria indústria que
pouco fez para deixar alguém ocupar seu lugar, já que hoje, qualquer cabeça de bagre com algum “amigo” dentro de um ou outro estúdio, consegue a oportunidade de ter algum candidato a blockbuster na mão, é só dar uma olhada nas grandes bilheterias dos últimos anos e ver a carreira de seus diretores.
Foi-se o tempo que nomes como o de Tarantino, Kevin Smith e o do próprio Soderbergh, precisavam passar por toda e qualquer provação antes de conseguirem dirigir seus filmes. Aqui não discutindo suas qualidades como cineastas, mas simplesmente olhando-os como alguns
exemplos de talentos, que só conseguem seus contratos milionários hoje graças ao esforço que tiveram em sua estréias marcadas por essa cultuação de seus trabalhos. Não por fazerem muito com pouco dinheiro, mas sim por conseguirem fazer algo diferente, com o único perigo de, caso desse errado, se tornassem apenas mais alguns nomes esquecidos pela história.
Mas é óbvio que nenhum desses casos, e muito menos de mais uma infinidade de outros, podem ser taxados de desastres de bilheterias, já que “alguns Blade Runners” posteriores fizeram, provavelmente, com que o próprio público (sem contar os estúdios) percebesse aí um filão interessante.
De lá para cá, o que aconteceu não foi o fim disso tudo, mas sim uma maior preocupação da indústria em ganhar mais um monte de dinheiro com esses cineastas, facilitando a cada dia com que esses estreantes assinem seus filmes com um respaldo maior, já que a possibilidade de mais um nome a ser celebrado está ai, só falta ser descoberto.
Se em 1999 um tal de Christopher Nolan fez sua estreia em “Fallowing”, por um custo de seis mil dólares, porém fazendo oito vezes
esse número nas bilheterias (o que é ridículo ainda), ficando em cartaz durante duas semanas em apenas uma sala de cinema, dois anos depois o mesmo Nolan tinha a seu dispor nove milhões de dólares para fazer seu “Amnésia”. Mas não são esses oito milhões novecentos e noventa e quatro mil dólares que separaram esses dois filmes, muito menos suas qualidades (já que o primeiro já teria tudo para ser celebrado), o que os separa é a vontade e o dinheiro que a Newmark teve para mostrar o segundo para o mundo e que Zeitgeist (respectivamente a distribuidora do segundo e do primeiro filme dele) não conseguiu ter.
“Amnésia” faturou vinte e cinco milhões e perdeu a oportunidade de se tornar cult, “Fallowing” acabou esquecido, e Nolan hoje é um dos cineastas mais celebrados da atualidade. E não que “Amenésia” precisasse ser um desastre para se tornar cult, mas sim necessitasse de menos exposição para ganhar esse título. Hollywood acabou com os filmes cults ao deixarem-os serem disseminados, distantes de serem adotados como uma descoberta pessoal, já que colocaram na vitrine para todos verem aquilo que, em outros tempos, permaneceria escondido. Fazendo com que tudo que pudesse virar cult se tornasse esquecido.
O prazer da descoberta precisou dar lugar a algo empurrado goela abaixo, como um produto à ser consumido, a recomendação boca-a-boca perdeu o sentido, já que nada mais pode ser achado em alguma sala de cinema desconhecida. Alguns poucos Jim Jarmuschs ainda permitem que o espectador indique “aquele filme que eu vi”, mas a grande maioria não tem mais aquele filme para chamar de seu. Chamar de cult.
Essa carência fica pior ainda quando o gosto duvidoso passa a funcionar como moeda, já que na ausência de cineastas à procura de algo diferente, algumas poucas vozes vão logo gritando o rótulo para “coisas” como “A Centopéia Humana” ou até procurando acertos onde só existem erros, como no fraquíssimo “Showgirls”, que a cada dia é mais e mais forçado como cult, mesmo sendo uma porcaria.
E enquanto a definição de cult na terra do Tio Sam, pelo menos no que é produzido por lá, perde mais e mais sua força, o lado de bom de tudo isso, é o espaço aberto para o que vem de fora e, por muitas vezes acaba sendo mal destribuido por lá, assim possibilitando ao espectador descobrir filmes de fora de suas fronteiras. Entra ano, sai ano, alguma produção é descoberta por debaixo dos panos de Hollywood, e enquanto não tem seus direitos de refilmagem e adaptação comprados por alguma companhia, pelo menos eles podem curtir seus quinzes minutos de cult pelo mundo afora.