Editorial: Descanse em Paz Wes Craven

Editorial: RIP Wes Craven

Semana passada chegou ao Brasil o jovem cult Corrente do Mal depois de um primeiro semestre onde alcançou esse status ao deixar muita gente com medo no escuro do cinema lá pelos Estados Unidos. O filme mostra uma criatura misteriosa que persegue suas vítimas com passos calmos e uma morte violenta. Uma verdadeira e incrível homenagem ao gênero.

Tudo bem que diferentemente dos assassinos de John Carpenter e Tobe Hooper (Michael Meyers, Letterface), e do “it” de Corrente do Mal, os vilões de Wes Craven têm uma certa falta de paciência. Uma diferença que inclui sair das sombras, tirrar sarro de suas vítimas, correr, atacar, ligar e não se preocupar com qualquer tipo de censura ou esquema pre estabelecido.

Pior ainda, Craven criava personagens que, mesmo vitimizados pelo roteiro quase sempre tinham a oportunidade de ir além ao se tornarem os perseguidores. Craven dava uma vida duríssima para seus vilões e não permitia que seus sobreviventes simplesmente “sobrevivessem”, mas sim que lutassem por suas vidas. E se não o fizessem direito, “Freddy is comingo for you!”.

Mas bem antes do “faxineiro incendiado”, Craven surgia nos cinemas para mostrar que uma família unida em sua desgraça poderia acabar com qualquer tipo de vilão. E do pior jeito possível. Aniversário Macabro (1972) e Quadrilha de Sádicos (1975) ainda não tinham a assinatura slasher de Craven, mas eram terrores completamente aterrorizantes que colocavam seus personagens em um limite de violência que nem o gênero estava acostumado. Protagonistas que não corriam na direção contrária de seus agressores, mas sim iam em sua direção juranda uma vingança quase violenta demais para as platéias da época (e até as de hoje, já que ambos ganharam remakes e foram apontados como “pesados demais”).

Mas ainda faltava um longo caminho até Craven se encontrar com o personagem que o colocou no imaginário de gerações e gerações. Abriu os anos 80 dirigindo uma joven Sharon Stone em Benção Mortal (1981), mas ninguém lembra disso. Assim como todos fizeram questão de esquecer sua assinatura na “adaptação” da HQ O Monstro do Pântano no ano seguinte. Já o terror Convite para o Inferno menos gente ainda ouviu falar, mas foi tudo isso que o levou à Freddy Kruger.

A Hora do Pesadelo estreava em 1984, depois até de uma continuação pouco empolgante de A Quadrilha dos Sádicos, mas naquele momento Craven entrava para a história, tanto do terror, quanto do cinema.

O filme vinha na carona dos slasher, de Jason, Meyers e toda sua turma, mas pela primeira vez mostrava às plateias do cinema que o vilão nem sempre pode ser decapitado, queimado, ou sequer ferido. Pela primeira vez todos aqueles jovens tinham que lutar, literalmente, contra seus piores pesadelos.

Craven criou um personagem que nascia da violência e da dor de uma vingança que colocava todos personagens em um sombra de tons de cinza que não permitia que ninguém fosse vítima ou carrasco, e que jogava então as verdadeiras vítimas do filme em uma posição ainda mais incômoda, iriam responder pelos erros de uma sociedade por meio da vingança de uma outra vítima dessa sociedade. E se no meio disso tudo Freddy Kruger ainda era mal, é porque ele era muito, mas muito mal.

Wes Craven

Robert Englund deu vida ao psicopata com a mão de lâminas de um jeito excepcionalmente perfeito, cruel e amedrontador; Craven conseguiu usar os efeitos especiais da época para dar ao gênero um tom sobrenatural chocante e violento; e no final das contas, não adiantava correr, Freddy iria te pegar.

Craven voltaria ao “pesadelo” uma década e cinco filmes depois para “fechar” a série de terror com O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Kruger, talvez um ensaio para outra obra-prima. Pela primeira vez Craven conseguia olhar para si mesmo e para o gênero como algo vivo, uma metalinguagem que o levou ao Ghostface.

Pânico (1996) é a evolução de um diretor que soube se reinventar e mesmo com bobagens como Shocker e O Vampiro no Brooklyn no currículo, revolucionou um gênero que parecia estar mais morto que o Jason. Mas assim como o filho da Sra. Voorhees, o slasher voltou aos holofotos e um novo assassino mascarado voltou a matar jovens. Dessa vez, Craven em parceria com o roteirista de séries adolescentes, Kevin Williamson, não só assustavam, como riam do próprio gênero, de seus clichês, esteriótipos e certezas. Chacoalhavam tudo à sua volta e embrulhavam em um filme que nascia clássico em cada telefone, facada ou golpe que o vilao levava.

Craven ainda dirigiu mais três filmes da franquia antes de falecer no último domingo, dia 30 de agosto aos 76 anos, os fez sem perder a intensidade e a energia em nenhum deles,. Então, é fácil apontar o quanto nada voltará a ser como era depois de Pânico, assim como nada já tinha sido como era depois de A Hora do Pesadelo. E se Corrente do Mal celebra os assassinos lentos e sorrateiros, bem diferentes dos personagens de Craven, por outro lado, mais do que qualquer coisa, homenageia um gênero: O terror. E não se pode falar em terror moderno sem citar Wes Craven.

Então que seu legado faça mais muita gente se enterrar na poltrona do cinema (ou saltar com um susto!), mas que ele fique ai, enquanto você “tranca sua porta”, “pega seu crucifixo”, “fica acordado até tarde” e “não durma mais”, porque “Wes Craven is coming for you”.

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