[dropcap]D[/dropcap]e todos os gêneros mais populares do cinema, o terror é quem lida melhor com a chamada suspensão de descrença. Aquele acordo entre o filme e o espectador de que certas coisas podem acontecer naquele mundo. Eli faz isso tão bem que se permite jogar tudo no ventilador e se tornar uma experiência divertidíssima.
É lógico que a parte da diversão vai do gosto do espectador, mas quem gosta de um bom terror que extravasa a simplicidade de um sub-gênero e abraça vários quando você menos espera, esse sim, irá adorar o filme. O que poderia ser uma daquelas tramas de casa mal-assombradas se transforma em algo bem diferente disso, e acredite, vale a pena a espera.
O roteiro escrito pelo trio David Chirchirillo e a dupla Ian Goldberg e Richard Naing (os dois, do recente, A Autópsia, que acaba tendo uma premissa com algumas semelhanças), mostra essa criança, Eli (Chralie Shotwell), que tem uma espécie esquisita de doença autoimune que não lhe permite entrar em contato com o mundo exterior. A única salvação parece ser um tratamento criado por uma médica misteriosa (Lili Taylor) que é dona de uma casa mais sinistra ainda e onde Eli ficará hospedado para se curar.
Da parte da direção de Ciarán Foy, a oportunidade de criar algumas boas cenas envolvendo uma ou outra aparição fantasmagórica que cruza as noites de Eli. Foy ainda tem a (boa) mania de exagerar na hora de fazer o clichê. Se aquele fantasma apareceria de relance, aqui ele é valorizado até chegar perto demais do protagonista. Resumindo, bem antes de ter em mãos um final de segundo ato surpreendente e onde ele coloca em prática uma predileção para o gore e um visual que irá agradar os fãs, o diretor já cumpre o que promete no quesito fantasmas e aparições.
O diretor só não consegue fazer o milagre de esconder alguns diálogos ruins e uma trama que, no intuito de “guardar o segredo do final”, não se importa de expor uma série de furos e motivações sem sentido. O filme nem ao menos consegue lidar com a ideia de culpar o menino por todos acontecimentos esquisitos que estão rodeando ele. É lógico que, no final das contas, quando tudo se costura, a “alienação dos adultos” passa a ser algo entendível, mas mesmo assim é algo que irá tirar alguns espectadores do sério.
Isso, e um elenco bem ruizinho que nunca consegue entregar aquilo que seus personagens precisam para serem levados à sério. E essa falha fica ainda mais óbvia quando o foco do filme deixa de ser o menino Eli e o espectador é obrigado a acompanhar aquele bando de marmanjos encarando linhas de diálogos que pouco fazem sentido, já que eles não necessitariam esconder nada entre eles próprios enquanto estavam longe de Eli.
Mas nada disso tira o grande acerto de Eli (o filme), que é descambar para o impensável. Aceitar a própria vontade de ser um terror cheio de personalidade, espalhafatoso, divertido e clássico. Principalmente, pois em uma era de filmes onde sobrenatural parece querer sempre estar ligado à realidade, ter uma folga disso tudo e abraçar o bom e velho Capiroto (como letra maiúscula e spoiler) é um enorme prazer para os fãs de terror que sabem o quanto o gênero lida bem com sua suspensão de descrença, desde que ela te faça dormir com a luz acesa depois disso.
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“Eli” (EUA, 2019), escrito por David Chirchillo, Ian Goldberg e Richard Naing, dirigido por Ciarán Foy, com Charlie Shotwell, Kelly Reilly, Max Martini, Lili Taylor e Sadie Sink.
1 Comentário. Deixe novo
Este filme é muito bom deveria ter mais assim.