Existe algum momento na história da Franquia Jogos Mortais que tudo se perdeu completamente, talvez tenha acontecido em algum momento entre o segundo e qualquer outra continuação descartável. Espiral é o que o pessoal do marketing chama de “rebranding”, mas não tenham dúvidas, nada mudou e tudo continua perdido em meio a uma mitologia que nem sequer precisaria existir.
O filme realmente não tem muita coisa a ver com a série original, mas ela está lá, tanto para ser citada, quanto para copiar parte do “modus operandi” do assassino Jigsaw, mas agora com um intuito diferente: o de fazer o espectador dormir no meio do filme.
Nesse novo filme, Chris Rock é o detetive Zeke Banks, um daqueles “tiras clássicos”. Honesto e acima de qualquer suspeita, é ainda odiado por todos companheiros por ter denunciado um deles. Banks ainda é filho de um outro policial, Marcus Banks (Samuel L. Jackson), condecorado, lenda, amigo da galera e admirado pelo mundo. É difícil encontrar algo mais genérico do que tudo isso, mas enfim…
Continuando com a falta de novidades, surge então um assassino que começa a matar policiais daquele jeitão criativo “vamos jogar um jogo” e cheio de traquitanas sádicas onde a vítima precisa se sacrificar para sair ilesa, por mais que isso pareça esquisito. O problema é que as vítimas começam a ser, cada vez mais, ligadas ao protagonista, o que faz com que ele saia nessa investigação pessoal e perigosa.
O Jigsaw é citado em algum momento junto com alguns outros elementos de sua mitologia, mas nada que empolgue o suficiente para significar um novo fôlego para a série. Muito menos isso coloca Espiral perto dos melhores momentos da franquia, muito pelo contrário, já que pode ser considerado um dos piores. Se não o pior, com certeza o mais esquecível, descartável e desnecessário.
É lógico que o filme começa enigmático, cheio de dúvidas e questões, gente morrendo de modo exagerado e um monte de gore, mas aos poucos o roteiro de Josh Stolberg e Pete Goldginger vai cometendo um erro que a série não permite: a falta de opção. As vítimas desse novo assassino não podem fazer nada a não ser morrer. O que é completamente diferente do resto da série. Pior ainda, as vítimas têm pouco de vítimas e o roteiro vai explicando exatamente as razões deles estarem morrendo, e o espectador vai concordar com as opções do assassino.
![Espiral - O Legado de Jogos Mortais | Rebranding mortal Espiral - O Legado de Jogos Mortais | Rebranding mortal](https://cinemaqui.com.br/wp-content/uploads/2022/03/spiral-filme.jpg)
Diferentemente dos outros filmes, isso é didático demais, não é uma surpresa no final que liga todos os personagens, mas sim um caminho de mãos dadas com o espectador. O final tem até uma surpresa, mas não é uma novidade diante do monte de detalhe anteriores.
Enquanto Jogos Mortais sempre foi sobre redenção e os sacrifícios feitos para essa mudança, Espiral é sobre vingança e punição. Quase como se não entendesse as intenções da própria franquia e apontasse para um outro lado.
A direção do Darren Lynn Bousman ajuda a manter um visual que se sustenta dentro da mitologia dos Jogos Mortais. Bousman já tinha assinado o segundo, o terceiro e o quarto filmes da série e repete o imediatismo plástico da ideia, principalmente com aquela câmera rodando loucamente enquanto a montagem picotada e a fotografia estourada vão embaralhando o espectador e o gore explícito.
Mas isso é pouco, o filme não vai além disso. Tem menos de Jogos Mortais do que merecia ter e pode até fingir não ser uma sequência, mas é, só não consegue chegar perto de nenhum outro filme da série, até os mais ruins que ficavam forçando a presença do Jigsaw mesmo com ele morto. Aqui, nem isso.
Entretanto, Espiral deixa um mistério que ainda poderá ser um dia desvendado: o que o Chris Rock está fazendo nesse filme? Das muitas escolhas ruins de Espiral, a do protagonista talvez seja a pior. O ator simplesmente não se encaixa no personagem, em certos momentos chega ao ridículo de tentar até ser engraçado, mas falha gigantescamente. Pior ainda quando tenta ser um ator sério o que fica ainda mais difícil de aceitar.
Espiral é uma armadilha que coloca o espectador nessa posição onde ele não tem opção nenhuma a não ser esperar pela dor, aquele sofrimento que não acaba e vêm sempre grudado nos piores filmes.
“Spiral: From the Book of Saw” (EUA, 2021); escrito por Josh Stolberg e Pete Goldfinger; dirigido por Darren Lynn Dousman; com Chris Rock, Samuel L. Jackson, Max Minghella, Marisol Nichols e Dan Petronijevic