Quando uma produção comercial (no sentido mais pleno da palavra) se torna um bom filme não pelo seu roteiro redondo ou arco dramático eficaz, mas pelo seu mensageiro de novidades surreais no mundo da internet, que cai na telona do Cinema tanto de para-quedas quanto em queda livre, é porque está acontecendo algo de muito estranho, mas ao mesmo tempo interessante, no Cinema/TV/YouTube. E no caso de Eu Fico Loko, o fato dos eventos terem sido parcialmente reais torna pelo menos a história viva, fugindo do lugar-comum dos filmes nacionais do gênero. Claro que a produção conspira contra isso, tentando trazer o filme para o clichê a todo momento. Mas, por sorte, a internet e a vida real estão (felizmente) cada vez mais distantes dos terríveis enlatados da TV e das “globochanchadas”.
Começamos o filme entrando na biografia reversa de alguém que se tornou estupidamente famoso, e que anda em câmera lenta do lado de outras “lendas” (como Galinha Pintadinha). Ao criar o velho esquema de flashback com narração para acompanharmos a história da vida de Christian, representado no filme por ele mesmo, o fato dele ter apenas 22 anos faz com que ele próprio se considere “meio um Justin Bieber“, já que sua história se passa nos “longínguos” anos 2010. Lá bem longe, quando Orkut ainda existia, mas que pelo fato das famílias começarem a acessar as contas dos filhos/sobrinhos/netos, estes começam a migrar em massa para o Facebook. Um momento épico da internet brasileira.
Sim, este é um filme que fala um pouco sobre a internet. Em específico a brasileira. Afinal de contas, o Orkut virou patrimônio nacional, a ponto da Google traduzir a interface para português (do Brasil). No entanto, as referências são tantas, e tão vagas, que fica difícil entender se essa cronologia está correta (já existia YouTube em 2010? resposta: já; mas tudo é tão recente que se mistura com o presente). De qualquer forma, “falar de internet” é diminuir demais o escopo do projeto. Estamos presenciando uma mistura sadia e potencialmente reveladora entre os clichês televisivos e a mudança de milhões de jovens impopulares, quando estes começaram a “se esconder” em canais de vídeo online.
Uma das coisas que foge do clichê e que se sai razoavelmente bem é a mistura do ator e personagem da vida real, representado facilmente por Christian Figueiredo, que já possui quase 600 vídeos no YouTube e a maioria deles com milhões de visualizações. Ainda assim, a interpretação independente de Filipe Bragança como seu alter-ego de 15 anos é o que faz a magia funcionar melhor. O jovem ator cria uma estranheza absurdamente atual, já que é impossível usar um ator que represente o protagonista apenas 7 anos mais novo e não sabermos que se trata de outra pessoa. O fato disso não interessar muito, já que a “mídia” que está em uso se mistura com vídeos de internet é sinal de algo novo, mas que parece precursor de algumas ideias interessantes para o futuro.
Quer algo mais relevante ainda como sinal de mudança dos tempos? Este filme é visto em massa na cabine de imprensa, geralmente às moscas quando passam filmes “de arte”. O motivo da lotação é porque em seguida à projeção haveria uma entrevista com os astros da produção. E isso não significa que estão todos lá para fazer perguntas à desperdiçada Alessandra Negrini, que faz a mãe do garoto no filme, mas sim ao próprio Christian Figueiredo, que hoje é a definição exata da expressão “celebridade da internet”.
Mais curioso ainda é perceber que o roteiro, assinado por, além do próprio Christian e do diretor estreante (no cinema) Bruno Garotti, também por Sylvio Gonçalves, que além de ter colaborado com o terrível S.O.S.: Mulheres ao Mar, também co-roteiriza É Fada!, um filme protagonizado pela vlogger Kéfera Buchmann. Além do mais, Garotti abraça a história sem perceber – ou sem percebermos a pressão dos produtores – que está dirigindo uma biografia de um garoto de 22 anos. Claro que não há muito drama nessa história, mas apenas eventos espalhados pela vida conturbada de um garoto tímido e impopular na escola.
E este não é um vídeo caseiro. Muito pelo contrário. Usando locações caras, com figurino rebuscado (mais do que novela) e atores famosos, Eu Fico Loko pavimenta sua estrutura como uma comédia de situações fictícia que se aproveita do fato de que a vida real é muito mais divertida, o que torna o conteúdo narrativo dos três roteiristas imensamente acima da média. O filme se torna uma bizarrice sem tamanho onde realidade e ficção se juntam para mostrar antes de tudo essa metamorfose de formatos de mídia.
Utilizando uma edição vídeo-clipe, recorrendo frequentemente a câmeras lentas e colagens que parecem eliminar o embaraço da vida real, como o som da música da banda nerd, além de utilizar uma trilha sonora empolgada e mais que apropriada com o tema jovem, Eu Fico Loko consegue se tornar longo em 90 minutos de duração, mas acaba acertando, já que ser um adolescente problemático é comprovar que o tempo, no universo, às vezes congela. E não temos na hora a ferramenta de edição para ficar bonito o upload.
“Eu Fico Loko” (Bra, 2017), escrito por Christian Figueiredo, Bruno Garotti e Sylvio Gonçalves, dirigido por Bruno Garotti, com Christian Figueiredo, Alessandra Negrini, Filipe Bragança, Suely Franco, Marcello Airoldi