Fala Comigo Filme

Fala Comigo | Um romance que discute o “normal”


[dropcap]F[/dropcap]ala Comigo é um diálogo não apenas entre pessoas, mas entre diferentes máscaras da sociedade. Ele desafia de maneira incisiva nossos conceitos sobre o que é “normal” reinterpretando a realidade para dentro das portas de algumas casas.

Estreia na direção do roteirista Felipe Sholl (Histórias que Só Existem Quando Lembradas, Campo Grande), a história vai sendo relevada aos poucos, e embora seja fácil de traduzir, o filme prefere ir revelando tudo visualmente, não havendo nunca a necessidade de diálogos expositivos. Dessa forma, o que inicia com um telefone que toca na tela preta termina com o barulho de um carro também no escuro, uma bobagem elegante. Em questão de segundos analisamos a vida perdida da quarentona Angela (Karine Teles) pela insistência em aguardar o retorno do seu marido, e que ainda que nunca ouvindo sua voz duas noites por semana se submete à humilhação de falar sozinha ao telefone.

Logo descobrimos que quem liga para ela é o jovem Diogo (Tom Karabachian), que usa a voz feminina das pacientes de sua mãe para se masturbar. Aqui um detalhe: ele “cataloga” seus espermas em fichas com data, hora e nome, em uma clara alusão à influência de sua mãe (Denise Fraga), que mesmo sem falar muito (ou talvez por causa disso) revela ser o pilar neurótico naquela casa. Basta observarmos um jantar em família, todos em silêncio e compenetrados em acabar logo a refeição. Exceto a irmã mais nova de Diogo, que com cerca de dez anos se preocupa com uma dor em sua barriga que pode revelar a mesma apendicite que sofreu seu irmão. A mãe é rápida em “catalogar” a menina de hipocondríaca, e sem qualquer diálogo relevante já aprendemos como criar uma família com problemas psicológicos.

O tom dos personagens de Fala Comigo nunca é exagerado a ponto de soar cômico, o que torna tudo mais ou menos real. Dessa forma o filme acaba abrindo um espelho para o espectador, que observa as próprias crenças, costumes, manias e formas de enxergar a realidade que, ele descobre durante o filme, pode ser muito diferente do que realmente é.

Fala Comigo Crítica

O estopim para essa revelação é quando Diogo e Angela começam a namorar. Esse seria o grande tema do filme, um garoto junto de uma mulher bem mais velha e psicótica. Porém, esse é apenas o pano de fundo para uma análise mais certeira em como há um tanto de hipocrisia que nos protege do “muito diferente” na vida. O problema aqui é que o roteiro entende que precisa martelar suas obviedades, e até Denise Fraga flerta perigosamente em sair uma caricatura da megera, com seus lábios duros e olhar sisudo.

E por falar em atuações, colocar Karine Teles como protagonista se torna uma decisão arriscada, pois ela não possui o jogo de cintura necessário nem a dominação necessária para sua personagem. A direção de Sholl erra pontualmente em não torná-la uma personagem mais forte, e preferir continuar naturalizando as cenas em um incômodo close. É óbvio que não é preciso muito para seduzir um garoto de 18 anos, mas daí é que reside o problema: a auto-estima de Diogo, vivido despreocupadamente por Tom Karabachian, sabota esse relacionamento, tornando-o inverossímil menos pela idade e mais pela dinâmica do “quem domina quem”. Ou o filme inocentemente prefere imaginar que em uma relação dessas há apenas amor.

Fala Comigo, então, parece fazer questão de normalizar o que é incômodo e incomodar o que é normal. Ele inverte valores e atravessa no tempo com um filme simples e rápido, provando que muitas vezes não é necessário muito para contar muito. Quem quiser poderá prestar atenção a detalhes inconsequentes, mas que darão uma nova dimensão a um filme aparentemente despretensioso. No entanto, só pelo tirar das máscaras, os diálogos do dia-a-dia, seja no “romance proibido” ou no jantar em família, se tornam muito mais interessantes.


“Fala Comigo” (Bra, 2016), escrito e dirigido por Felipe Sholl, com Karine Teles, Tom Karabachian, Denise Fraga, Emílio de Mello, Anita Ferraz


Trailer – Fala Comigo

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