Fantasmas do Passado | Crítica do Filme | CinemAqui

Fantasmas do Passado | Uma alegoria que vai mais longe do que o roteiro aguenta

A área de tecnologia costuma estar totalmente apartada das discussões sociais que rolam no mundo lá fora. No entanto, anos atrás surgiu um tema completamente aleatório e desnecessário que uniu temporariamente esses dois ambientes, misturando no processo conceitos históricos e uma prática comum de engenharia, o que trouxe à consciência de pessoas que nunca tinham parado para pensar sobre a futilidade de alguns movimentos humanos.

É de praxe o uso dos termos “master” e “slave”, do inglês “mestre” e “escravo”, quando há equipamentos que trabalham juntos em uma relação onde um determina o comportamento dos outros. É importante para o engenheiro da computação distinguir quando um determinado equipamento irá trabalhar como o mestre e planejar corretamente quais serão seus escravos.

Da mesma forma, no mundo do software, ou programas de computador, não é diferente. O controle do código-fonte, ou seja, aquilo que programadores escrevem para tornar realidade sites, apps e outras milhares de modernidades, é organizado da mesma forma através de diferentes versões. A versão do app que pode ser baixada no seu celular, a base de todas as outras, é a master. Todo o resto, embora aqui não seja usado o nome, são versões escravas da master, pois elas devem seguir tudo que a versão principal determinar.

Para você entender a dificuldade dessa sopa de letrinhas tecnológica eu tive que gastar alguns parágrafos para finalmente chegar na discussão que ocorreu a respeito dessa palavra. E isso não foi à toa, pois apenas ilustra a enorme distância entre o entendimento entre especialistas de diferentes áreas de conhecimento, que até então conviviam em paz. Se alguém da área de letras (da qual também já fiz parte) estiver presente, este deve concordar comigo ao se lembrar que diferentes tribos linguísticas utilizam os signos, ou o significado das palavras, de maneira diferente e geralmente com o objetivo prático de serem úteis.

Então você imagina, caro leitor, o espanto da área de exatas em observar que havia um movimento completamente descabido ocorrendo a respeito do uso da palavra “master”. O motivo explicado por algumas áreas de humanas teria a ver com as origens históricas da palavra, que remete à época da escravidão. E de fato. Escravidão faz parte de toda história humana. Até onde se sabe desde o início da civilização. Assim como outras questões existem desde o início. E o significado das palavras usadas em torno de questões milenares são recicladas em diferentes contextos para atender a novos objetivos na comunicação.

E por que estou divergindo para este tema? Apenas por causa do título original deste filme, Fantasmas do Passado, ser Master? Óbvio que sim. Mas não só isso. O filme inteiro, um terror psicológico desses modernos, discorre sobre relações históricas, embora bem mais recentes: a escravidão norte-americana.

Porém, o filme nos desperta para mais. Ele nos diz de maneira muito atual sobre as novas disciplinas, diretrizes e currículos dos cursos que regem áreas como literatura, com foco no racismo ou na visão de uma sociedade que vive o racismo ou viveu há pouco tempo. Isso significa, por exemplo, em interpretar sob essa nova ótica a leitura de obras alheias no tempo e espaço a essa questão local. Pegam-se livros como A Letra Escarlate e utilizam-se lupas fabricadas na indústria educacional norte-americana para entender, assim como os estudiosos das sagradas escrituras, se “escarlate” não significa um tipo de racismo colocado sob outro contexto.

Fantasmas do Passado | Uma alegoria que vai mais longe do que o roteiro aguenta

A alegoria de “Master” vai longe. Talvez mais longe do que o roteiro é capaz de suportar. Misturando o gênero terror com temas atuais, o filme pega carona nos sucessos do diretor Jordan Peele, Corra! e Nós, mas não possui o esmero dessas obras em sugerir conotações. O filme joga inúmeras ideias, mas deixa o espectador largado para enxergar algo por si só. Tudo é muito vago. Como uma mensagem secreta sendo passada para membros de uma seita que irão assistir ao filme, o cinéfilo comum irá viajar na maionese.

A história é daquelas clássicas de terror sobre lendas antigas e eventos nefastos em torno da universidade do interior, mas muito mais ocorre dentro da mente de suas protagonistas, a jovem estudante universitária Jasmine (Zoe Renee) em seu primeiro ano, e a nova Tutora, ou Mestre. É como a reitora da faculdade, cuidando junto do conselho para que as regras e as direções para onde a escola pretende seguir sejam cumpridas. Alguns irão relacionar com Sandra Oh na série The Chair, onde ela interpreta uma personagem com função acadêmica semelhante.

Como este é um filme de terror não é preciso dizer que essas duas estão em apuros. Porém, o que nós não sabemos no começo é que nós espectadores também estamos.

No decorrer da história com acontecimentos bem clichês que constroem a tensão através daquela estranheza sobre quem é do mal e quem é do bem, vamos assistindo a essa mistura de temas girando em torno de inclusão, representatividade, diversidade, meritocracia, entre outros nomes bonitos, e tudo o que queremos é levar algum susto. Porém, o terror vira um drama molenga onde não há risco físico, embora deveríamos estar preocupados com a integridade das protagonistas pela mera construção de tensão. A mensagem inerente é martelada: alguém está tramando contra essas mulheres por serem negras.

Porém, a questão do drama molenga não é exclusividade de Fantasmas do Passado. Muitos gêneros possuem seu “momento trash” ao londo das décadas de cinema, como sci-fi, western, comédia e o próprio terror. Dramas não possuem esse estigma. Até hoje. Hoje dramas mainstream são versões menores do que um dia foram. Um protagonista que passa por uma provação psicológica considerada leve vinte anos atrás, como bullying verbal, é motivo para a construção de uma tensão desproporcional na cabeça dos cineastas recentes.

Em terrores psicológicos que se travestem de drama o resultado é ainda pior, pois falta personalidade nos personagens, que são esterótipos de vítimas de algo supostamente maior do que carne fresca para ser abatida. Dessa forma, tanto as lágrimas do drama quanto o sangue do terror não valem o sacrifício do espectador. Não sentimos que é necessário dedicar tempo de nossas vidas para acompanhar vidas com traumas menores do que a vida real.

Porém, assim é também em Fantasmas do Passado, que é apenas um exemplo de uma tendência maior. As reviravoltas do terceiro ato em vez de dar mais fôlego à história nos sufocam, e uma revelação sobre a verdadeira cor da pele de uma das personagens soa risível. Toda a tensão vai diminuindo, e nem a morte de uma garota impacta o suficiente. Filmado como um assunto corriqueiro, falta alma aos acontecimentos reais e sobram elucubrações sobre o psicológico infértil.

O que no fundo lembra bastante as análises das obras literárias que são feitas no filme, rasas e aleatórias, exceto pelo dom de serem populares.


“Master” (EUA, 2022), escrito e dirigido por Mariama Diallo, com Regina Hall, Zoe Renee e Julia Nightingale.


Trailer do Filme – Fantasmas do Passado

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