Fora de Série

Fora de Série | Envolvente, inteligente, atual e apaixonante


[dropcap]F[/dropcap]ora de Série é tudo o que eu queria ver no cinema em termos de comédia: algo engraçado (por favor), empolgante, inteligente, atualizado e que não espera que os espectadores sejam idiotas para que o filme funcione.

A história é um daqueles super-clichês de formandos do colégio americano e gira em torno de duas melhores amigas que são as “CDFs” (isso ainda existe?). E preciso dizer agora mesmo que a atriz Benie Feldestein precisa urgentemente ganhar pelo menos um Globo de Ouro porque essa atuação é tudo de bom e mais um pouco.

Você provavelmente já a conhece: Beanie Feldstein foi a sidekick da personagem de Saoirse Ronan em Ladybird, mas aqui é ela que domina a história fazendo a hétero pilhada dominante da dupla de “BFFs” Amy (Kaitlyn Dever) e Molly (Feldstein). Você conhece o tipo: se acha superior aos outros porque estudou a vida inteira, cheia de regras e petições. Bem, ela descobre que a vida não é preto no branco no confessionário da escola, vulgo banheiro, e todos aqueles colegas que se divertiram a graduação inteira vão para faculdades de respeito. Rola um sentimento de juventude perdida para Molly, que resolve ir à forra e se divertir por todos esses anos na noite anterior à formatura.

Ela tem uns olhos grandes que dão um pouco de medo (e que Feldstein sabe usar muito bem com seu sorriso congelado) e um gingado livre de julgamentos que tornam o filme leve e descolado. Ela e Amy improvisam coreografias espontâneas, o que é divertido e já na primeira cena cria empatia e identificação com o público, e isso será usado no resto do longa carregado no ombro por essas duas talentosas atrizes. A química entre elas flui em qualquer cena, mesmo quando ambas ficam elogiando a roupa da outra de um jeito brega escancarado porque este é um filme que está descascando até clichês de clichês.

Este é daqueles roteiros escritos por quatro pessoas ligadas à moda de filmes femininos, e os diálogos que esse quarteto criou funcionam como se fossem rimas de um rap, ágeis e certeiras, com as piadas sendo intercaladas nos momentos certos. É tudo sobre o timing cômico que Fogel, Halpern, Haskins e Silberman esbanjam. Sabemos que humor é subjetivo, mas pelo que me recordo todas as piadas funcionaram comigo, desde “lá vem os 1%” até “o que você diz pro panda ficar excitado, você está em risco de extinção?”. Essa última vem de uma sequência divertidíssima envolvendo um ursinho de pelúcia que ao mesmo tempo comprova a capacidade deste filme em saber até quando estender uma piada.

A diretora (também atriz, mas não nesse filme) Olívia Wilde estreia em seu primeiro longa com o pé direito. Ela faz um filme dinâmico, que sabe quando a cena precisa passear com a câmera ou cortar freneticamente. E há tantos cortes frenéticos quanto cenas em câmera lenta, o que geralmente não é bom sinal, mas que aqui funciona, pois conversa com um público jovem, em idade ou em espírito, além de uma montagem que chega à audácia de possuir gags visuais, na introdução de cada festa que elas encontram ou da improvável e engraçadíssima reaparição de uma certa personagem interpretada por Billie Lourd. Wilde faz tudo isso sem medo de ser feliz e demonstra que está trabalhando com um material de primeira.

E está mesmo, pois quando estamos no terceiro ato, que é o momento de todo filme desse gênero onde se separam as mulheres das meninas, é que o filme se mantém firme e forte. Mais importante que isso: as personagens se mantém. Não há maniqueísmos e o super-clichê da falha de comunicação das amigas se resolve porque é isso o que geralmente ocorre na vida real. E esse é um filme onde os jovens, além de você lembrar deles no decorrer da história, são versões reais, embora exageradas, de adolescentes de carne e osso. Uma versão jovem da série Community sem referências nerds.

A seleção de músicas desse filme é insana na medida do desejável. Usa Alanis Morissette em um karaokê e praticamente nos convida a cantar juntos no cinema (não faça isso!). Usa o tema de Ghost repaginado porque além de ser engraçado no começo da cena se transforma em uma declaração de fato emocionante. Esta é a playlist do “millenial do bem”, que não veio reclamar que tá tudo errado, mas que dá pra pegar os mesmos clichês e fazer do jeito certo.

E por falar em fazer do jeito certo, eu termino voltando a esta nova diretora, que me fez voltar a ter esperanças de comédias no cinema, como um divertimento de escape, claro, mas com bom gosto. Eu deveria comentar sobre a cartilha lésbica e essas coisas de minorias no filme, mas passou batido, porque é assim que deve ser na vida real. Sinal de que o filme é tão bem feito que não precisa de muletas sociais, pois gira em torno simplesmente de seres humanos.


“Booksmart” (EUA, 2019), escrito por Susanna Fogel, Emily Halpern, Sarah Haskins, Katie Silberman, dirigido por Olivia Wilde, com Kaitlyn Dever, Beanie Feldstein e Jessica Williams.


Trailer do Filme – Fora de Série

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