Ghostbusters: Apocalipse de Gelo não começa com o poema de Robert Frost sobre o mundo acabando em gelo. O novo filme começa ainda em Caça-Fantasmas, com o nome original e desesperado para atrelar um pouco mais de dinheiro para uma franquia que parece ser maior do que realmente é.
Como um “fantasma do Natal passado” (para ficar na prateleira de referências literárias), é preciso ir até 1984 para entender esse fenômeno e a razão de seu sucesso. Um ano que ainda refletia uma certa revolução do cinema em Hollywood de vinte e poucos anos antes. Para o drama, terror, ficção científica e suspense, o cinema ganhou um punhado de clássicos. Já a comédia se tornou um lugar onde o riso físico e fácil deu lugar a roteiros que apostavam em um humor onde a gargalhada vinha do lado de fora da tela, apostando, tanto em um clima muito mais cínico, como em atores muito menos físicos e que, na maioria, vinham de passados em salas de roteiro e “standa-ups”.
É desse liquidificador de comédias de extremo sucesso que nasce Os Caça-Fantasmas. Bill Murray (“Pete” Venkman) vinha de filmes populares como Recruta da Pesada e Clube dos Pilantras. Dan Aykroyd (“Ray” Stantz) estava no nascimento do Saturday Night Live (1975), ficou lá até 1979 e esteve na ponta do elenco de 1941, Irmãos Cara de Pau e Trocando as Bolas. Harold Ramis (Egon Spengler) não estava muito na frente das câmeras, mas por trás delas tinha sido o responsável por coisas como Férias Frustradas e Clube dos Pilantras. Por fim, Ivan Reitman vinha da direção de Recrutas da Pesada e Almôndegas.
Tudo bem, esse monte de nomes de filmes podem não significar muita coisa para o pessoal nascido nas últimas três décadas, mas acreditem, estamos falando de produções que definiram um norte para boa parte do gênero até hoje. E por isso mesmo, Os Caça-Fantasmas é como um raio que caiu no lugar certo e na hora perfeita.
Verdade seja dita, nem o segundo filme conseguiu manter a qualidade do primeiro. Assim como o filme anterior a Apocalipse de Gelo, mesmo divertido, estava muito mais preocupado em celebrar uma montanha de referências ao primeiro filme enquanto homenageava os quatro personagens originais, com ênfase no já falecido Harold Ramis. E lógico, tentando levar a ideia, os fantasmas, o Ecto-1 e a mochila de prótons para uma nova geração.
Pode-se dizer que conseguiu em parte, mas ainda muito mais refém dos “velhos tempos” do que apostando em algo novo. Apocalipse de Gelo dá um passo para a frente… e uns quatro para trás.
Jason Reitman (filho do diretor original) volta só participando do roteiro junto com Gil Kenan, que já tinha participado com ele do filme anterior e agora também dirige. Curiosamente, Kenan é o mesmo cineasta que muitos anos atrás misturou absolutamente bem terror e crianças no incrível A Casa Monstro. O que isso tem a ver? Tudo, já que o novo Ghostbusters (agora em inglês!), ao não mirar nesse público, fica perdido entre o novo e a nostalgia.
Os novos Caça-Fantasmas agora estão em Nova York (vulgo “Família Spengler”), vivendo na velha sede dos personagens, bancados pelo milionário e ex-Caça-Fantasmas Winston Zeddemore (Ernie Hudson) e caçando fantasmas pela cidade. E durante boa parte do primeiro terço do filme, você não vai entender direito onde isso tudo vai chegar. A dinâmica entre os personagens vindos do primeiro filme não funciona tão bem assim e o filme apenas vaga entre ideias que parecem não engatar uma segunda marcha.
Talvez a ideia seja não ir a lugar nenhum enquanto não encontrar um espaço para o personagem de Aykroyd ter razão de existir. Isso acontece, pois agora ele é dono de uma espécie de loja de quinquilharias que podem ou não estarem possuídas, o que o permite entrar em contato com um orbe (que já aparece lá em um prólogo do filme) que parece prender uma antiga criatura que tem pretensões de dominar o mundo com seu poder de gelo e que vai unir os heróis contra ele.
E vai unir de maneira preguiçosa e brega. Todo mundo junto, na verdade separado entre velhos e novos, segurando um mesmo objeto para dar força. Tipo “unidos somos mais fortes” etc. Essa conclusão é acompanhada de uma série de decisões absolutamente óbvias e previsíveis de todos arcos de todos personagens. Isso sem contar o plano do vilão Garraska, envolvendo uma espécie de caso amoroso entre a protagonista Phoebe Spengler (Mckenna Grace) e uma fantasma vivida por Emily Alyn Lid. Juntando todos diálogos entre as duas seria impossível prever as decisões de uma delas sem saber que aquilo é um filme e o roteiro rumaria para aquilo por falta melhor do que inventar.
E tudo isso com uma direção que assume facilmente o quanto Apocalipse de Gelo não se importa nem um pouco de ser uma comédia que mistura ação e ficção-científica. A câmera de Kenan só se quer dar ao público essa aventura picotada e com efeitos especiais em CGI que comprovam onde foi parar boa parte do orçamento da produção. Mas, perigando um trocadilho infame, falta espírito.
O vilão demora demais para aparecer e ser realmente uma ameaça, mas nesse tempo sem um contraponto, não existe um cuidado em explorar os personagens por suas personalidades. Como se a trama acompanhasse um desfile de referências ao original que não tem a menor necessidade de estarem lá quarenta anos depois. Estão tão preocupados com a fantasma da biblioteca e com o novo prefeito, que esquecem de tentar recriar aquela comédia meio absurda e com personagens meio malucos que são párias da sociedade, mas, mesmo assim, continuam firmes em suas convicções.
Como boa parte dessa dinâmica vinha da química entre os personagens principais, aqui isso é quase impossível de acontecer, já que os “novos Caça-Fantasmas” são simplesmente desinteressantes e reféns de uma estrutura familiar que não é engraçada, nem dramática e muito menos nem perto do suficiente para “bancar” o filme. E se tem algo estranho acontecendo (como isso), quem você chama? Os Caça-Fantasmas originais, cláro!
Arkroyd se esforça para voltar ao papel, muito mais pelo carinho pela franquia, afinal ele é um dos criadores dela com Hamis, do que pela sua importância dentro da trama. Seu personagem parece até maduro demais para aquele antigo “Ray”. Já enquanto Hudson continua construindo esse personagem mais “pé no chão” dos quatro, a presença de Bill Murray beira o desleixo e a preguiça. Como se o astro não tivesse a menor vontade de estar lá, mas está fazendo “pelos velhos tempos”, elevando sua persona “blasé” a um patamar quase irritante.
Mas é lógico, os fãs de longa data irão se divertir com a possibilidade de rever os personagens e até expandir a mitologia um pouquinho, ainda que a estrutura do filme soe bem parecida com a do segundo filme. Mas tudo bem, fã é fã.
O problema é que esses “fãs todos” já a um bom tempo não são um número suficientemente grande de espectadores para alavancar os filmes recentes da franquia, deixando então com que ela derrape mais do que faça novos espectadores se ligarem aos personagens. Já os antigos, cegos pelo carinho pelo original, não conseguiram perceber o raio caindo novamente no lugar certo.
Em 2016 o filme que repensava a franquia apresentando quatro comediantes que estavam na crista da onde e um diretor que vinha de um monte de comédias de sucesso, conseguiu trazer de volta ao cinema aquelas mesmas intenções do original, mas sem ser refém dele, apresentando novas personagens a um mundo que poderia tê-las como pontapé inicial para algo novo. Mas a nostalgia era melhor que o bom senso e ninguém viu percebeu o raio cair. Agora é tarde e só resta aos fãs a esperança de que a franquia não morra e que, quem sabe, em algum outro momento no futuro tudo volte a dar certo, porque ainda não foi dessa vez.
“Ghostbusters: Frozen Empire” (EUA, 2024); escrito por Gil Kenan e Jason Reitman; dirigido por Gil Kenan; com Paul Rudd, Carrie Coon, Finn Wolfhard, Mckenna Grace, Kumail Nanjiani, Patton Oswalt, Celeste O´Connor, Logan Kim, Emily Alyn Lind, James Acaster, Bill Murray, Dan Aykroyd, Ernie Hudson, William Atherton e Annie Potts.