O Globo de Ouro mudou. Depois de anos de acusações, decisões malucas e votações que pareciam influenciadas por uma vontade maior dos estúdios do que do bom senso dos votantes, a premiação mudou. Perdeu o contrato com a NBC, ficou sem transmissão na TV ano passado e agora voltou na CBS. Também reformulou todo esquema de membros, mais que dobrou o número de votantes e deu uma oportunidade maior para um nível de diversidade que combina melhor com o século 21.
Mas isso não quer dizer que agora os (mais ou menos) 200 profissionais da imprensa que votaram no 81° Globo de Ouro estejam fazendo tudo certinho e não vão deixar ninguém bravo com seus resultados. Mas melhorou, isso não há dúvidas.
De um certo clima caótico e imprevisível surge uma experiência fácil de adivinhar logo de cara, seja nas categorias de TV, seja no cinema. Como se as produções agora ganhem em enxurrada. Bom por um lado, péssimo por outro.
Com isso em mente, Oppenheimer sai da noite como grande vencedor, afinal, a categoria de Drama ainda parece receber um peso de “coisa séria” e “mais importante”. Já seu grande amigo de bilheteria, Barbie, começou a temporada de premiações no lugar que deve (infelizmente) estar no resto do tempo: ignorado, afinal, ninguém levará a sério o filme de uma boneca. Deviam. Já que ele é muito mais do que isso.
Mas Barbie não saiu do Globo de Ouro de mãos abanando, levou Melhor Canção Original… mas para a música errada. Em vez de “I´m Just Ken”, ganhou a muito menos divertida “What Was I Made For”, de Billie Eilish.
Sem esquecer, é claro, da vergonhosa categoria Conquista Cinematográfica e de Bilheteria, que soa mais como aquela medalha de participação que seu filho ganhou no campeonato de natação mesmo tendo ficado em último em todas disputas. Perdeu tudo, mas é tão querido por todos e levou tanta gente para a competição, que merece um prêmio.
Uma categoria que tenta aproximar o público que não se interessava no Globo de Ouro para dentro da premiação. Mas com certeza uma ideia tão estúpida quanto aquela do Oscar de votação popular que quase deu uma estatueta para o Zack Snyder. O futuro da categoria também deve ser o mesmo, basta um ano onde nenhum filme se destacar tanto nas bilheterias e tudo será esquecido (vulgo 2025).
Já nas outras categorias de Musical e Comédia, o grande vencedor foi Yorgos Lanthimos e seu Pobres Criaturas que ficou com Melhor Filme e ainda Melhor atriz com Emma Stone. Entretanto, continua difícil levar a sério a divisão das categorias em “Comédia e Musical” e “Drama”, como se o riso e as dancinhas e canções sejam algo próximos, enquanto as mesmas piadas não se permitam transitar com o drama, coisa que alguns dos indicados o fazem.
Mas tudo bem, poderia ser pior, afinal a série The Bear foi a grande vencedora da categoria de Comédia. E se você gargalha com a produção da FX, deveria procurar ajuda.
Mas voltando aos filmes, além de Melhor Filme, Oppenheimer ainda foi para a casa com prêmios para Cilian Murphy (Melhor Ator), Robert Downey Jr. (Ator Coadjuvante), para o próprio Christopher Nolan (Diretor) e para a trilha sonora de Ludwig Goransson.
E onde estava Assassinos da Lua das Flores esse tempo todo? Em uma mesa com Robert De Niro e Martin Scorsese com um clima de saco cheio enorme. Lily Gladstone até levou o único prêmio da noite para o filme (Melhor Atriz), mas parece pouco diante da qualidade da produção. Mas Gladstone subiu lá, começou se discurso na língua da etnia Blackfeet e deve ter dado um baita susto na direção do programa. Mas foi só o comecinho, o resto do discurso foi em inglês mesmo.
Surpresa mesmo (na verdade só para quem não viu) foi a premiação do Melhor Roteiro para o casal Justine Triet e Arthur Harari pelo texto do francês Anatomia de uma Queda. O que só não o coloca na disputa do Oscar, pois o filme não será lembrado pelas premiações dos sindicatos (não é americano) então talvez não tenha força e lobby suficiente para se manter vivo. Mas, pelo menos, a indicação virá.
Anatomia de uma Queda também ficou com a estatueta de Melhor Filme em Língua Não Inglesa, coisa que também não acontecerá no Oscar, já que a França resolveu não inscrever o ganhador da Palma de Ouro em Cannes como representante do país.
Ainda nessa categoria, soa arcaico ela ainda ter esse recorte baseado no idioma dos personagens no filme, coisa que, por exemplo, o Oscar já superou com seus Melhor Filme Internacional. Basear a premiação na língua permite distorções como a desse ano, com o americano Vidas Passadas se colocando na posição de indicado em vez de ceder o lugar para outro filme vindo de fora de Hollywood, o que, obviamente, é a intenção da categoria.
Falando em intenções, é difícil entender quais eram as pretensões do apresentador Jo Koy, com piadas absolutamente sem energia e um texto muito pior do que aquele escrito para os apresentadores dos prêmios. O que nos leva a crer que, talvez tivesse sido muito mais interessante apostar no formato sem um Mestre de Cerimônia.
Para terminar em um ritmo mais interessante do que o final do Globo de Ouro onde todo mundo já queria ir embora, a volta de Hayao Miyazaki aos cinemas em O Menino e a Garça lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Animação, desbancando o favorito segundo filmes do Aranhaverso.
Também entre os favoritos, Paul Gimatti começa a fechar a lista de premiações de cinema no Globo de Ouro como Melhor Ator e Musical em Comédia por Os Rejeitados, novo filme de Alexander Payne e que ainda rendeu Melhor Atriz Coadjuvante para Da´Vine Randolph.
Talvez despontando os dois como nomes fortes do resto da temporada de premiações, mas não pelo Globo de Ouro ser um termômetro de nada e sim por ser a premiação que “abre os trabalhos” e já começa a apontar certas tendências que tendem a se repetir. Não uma importância ou responsabilidade de nada, apenas um charme de ser o primeiro momento no ano onde as estrelas do cinema passam pelo tapete vermelho e sofrem com as piadas ruins dos apresentadores. Pelo menos no Globo de Ouro elas podem encher a cara.
A gente do lado de cá da tela também pode, de preferência o suficiente para esquecer certos momentos cheios de vergonha alheia e também para tentar superar o caminho que começa a ser construído, com Martin Scorsese e Barbie sendo colocados de lado diante da frieza técnica de Oppenheimer. Mas assim como o Ken, será preciso entender que eles tem a sua importância, mesmo sendo relegados a esse lugar de coadjuvantes de uma temporada que deveria ser deles. O Ken estava errado achando que o filme era sobre ele, mas Barbie e Scorsese não estarão e todos poderemos reclamar disso nos próximos dois meses de indicados e vencedores.