Godzilla Minus One | 2023 | Crítica do Filme

Godzilla Minus One | Menos monstro, mais metáfora

Pode parecer que o Godzilla é um monstrão de 120 metros de altura, meio lagarto, meio dinossauro, com uns espinhos das costas e que cospe um raio de calor nuclear, mas não se enganem, Godzilla é só uma metáfora. E se em 70 anos de vida você não entendeu isso, agora em Godzilla Minus One todo mundo vai ter certeza.

O filme é o primeiro do personagem desde 2016 (contando só as produções japonesas) mas toma um rumo completamente diferente desse (Shin Godzilla) e também de praticamente todas dezenas de outras produções que celebraram o Kaiju mais famoso do mundo. O “Minus One” do título vem, justamente, dessa ideia, a de estar no negativo. Esse lugar de derrota e dor onde para renascer é necessário sair de um lugar ainda mais abaixo do zero.

Minus One começa no final da Segunda Guerra Mundial com um piloto Kamikaze, Shikishima (Ryunosuke Kamiki), voltando de sua missão não cumprida em uma pequena base em uma ilha menor ainda. É lógico que sua honra é colocada à prova logo de cara, mas essa dor é interrompida por um monstro que os habitantes locais chamam de Godzilla. Quase um “monstrinho”, já que ele não é tão maior que o avião do protagonista, mas, ainda assim, faz um estrago enorme antes de abandonar tudo com um rastro de morte e destruição.

Shikishima sobrevive, mas com a nova sensação de não ter feito nada para impedir Godzilla, o que só se acumula em sua culpa e honra quebrada. Godzilla Minus One é sobre esse Shikishima que depois disso volta para Tóquio e encontra a cidade destruída por bombardeios e com sua família morta. Entre a vergonha do fracasso e o peso da derrota do país inteiro, o ex-piloto precisa se reerguer, ainda que para ele a guerra não tenha acabado.

E, realmente, aquela guerra não tinha acabado, não para os japoneses. Mesmo derrotados, sofreram represálias dos Estados Unidos de modo praticamente desumano, e não estamos falando apenas das duas bombas em Hiroshima e Nagasaki, mas também a desmilitarização e toda pressão exterior que afundaram o país em um lugar de quase não existência e impessoalidade. Independente dos pecados de guerra do Japão durante o conflito, a resposta pós-guerra nunca foi equilibrada. Como um monstro dizimando o país a cada saída do mar.

Godzilla Minus One | Menos monstro, mais metáfora

Godzilla desperta novamente durante os testes nucleares do atol de Bikini, mas dessa vez, maior que os prédios de Tóquio e atômico, destruindo tudo que vê pela frente. Também sem sutileza nenhuma em termos de alegoria.

Para o Japão, sem exército e sem armas, a única solução é juntar a população em um plano que enfrentará esse novo inimigo com o poder de suas coragens e inteligências. Solucionando o conflito sem contar com a ajuda de ninguém a não ser as vítimas da guerra e as pessoas que já estão tentando reconstruir um país e sua moral. Não mais com a honra cega dos kamikazes, mas voltando para casa com suas histórias a serem contadas e um novo país para nascer dos escombros dessa nova guerra. Obviamente, com Shikishima tendo a oportunidade de recobrar seu heroísmo e terminar sua guerra.

Por isso tudo, entre os pouco mais de dez minutos de Godzilla em tela, Godzilla Minus One é sobre essas pessoas tendo que lidar com seus medos e incertezas e isso faz do filme uma experiência pessoal emocionante. Um elenco poderoso e uma câmera que sabe valorizar os dramas dos personagens e explorar a delicadeza humana que sustenta os momentos que são mais esperados: o Godzilla em si.

Para tomar conta disso tudo, quem ficou na cadeira de diretor e roteirista foi Takashi Yamazaki, que aparentemente ganhou a oportunidade depois da ação naval “Arukimedesu no Taisen” de 2016. O resultado para Minus One é um filme violento, realista e que entende absolutamente bem as necessidades do personagem. Bem diferente, por exemplo, das vezes em que Godzilla atravessou o Pacífico para ser adaptado em Hollywood. Verdades sejam ditas, tirando o filme de 2014 comandado por Gareth Edwards, todo resto não merece nem citação. Principalmente perto do filme de Yamazaki.

O diretor também comanda os efeitos visuais do filme que, em parceria com a recriação de época, constrói um filme visualmente perfeito e com um capricho que coloca Godzilla Minus One entre as experiências obrigatórias do cinema em 2023. O Godzilla próprio ainda recorre a um visual absolutamente clássico e uma posição que beira uma deidade caótica. Sua câmera no chão demonstra a pequenez dos japoneses diante de uma força tão maior. Sua câmera no alto traz a esperança e coloca os dois lados dessa guerra em um mesmo patamar, mesmo que um dos lados seja movido muito mais pela esperança do que pelo bom senso.

Tudo isso em um ritmo alucinante nas horas que precisa empurrar os espectadores nessas grandes cenas épicas de ação, mas também entendendo o andamento mais desacelerado quando está com seus personagens. Tempo suficiente para ambos os lados saírem ganhando e atingirem seus objetivos de embarcar seus espectadores nessa nova versão do personagem que poderá até ser considerada a melhor delas.

Um monstrão de 70 anos e 120 metros de altura que se tornou umas das coisas mais famosas da cultura pop e que chega agora aos cinemas com status (correto) de ser uma das melhores estreias do ano. Mas não se enganem, mais que isso, uma grande metáfora com um bafo atômico e que, vez ou outra, surge das profundezas para discutir alguns assuntos que ficarem pendentes. Nesse caso, com a possibilidade de usá-lo para discutir o mundo, e com certeza essa guerra nunca acaba.


“Gojira -1.0” (Jap, 2023); escrito e dirigido por Takashi Yamazaki; com Ryunosuke Kamiki, Minami Hamabe, Sakura Ando, Kuranosuke Sasaki, Munetaka Aoki, Hidetaka Yoshioka e Yuki Yamada.


Trailer do Filme – Godzilla Minus One

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