Os diretores/roteiristas Glenn Ficarra e John Requa têm um histórico interessante em O Golpista do Ano: um filme que envolve não apenas uma trama de reviravoltas, mas também interpretações e interações certeiras de seu elenco. Sendo assim, é compreensível que Golpe Duplo, apesar de construir uma trama cheia de virtudes, tenha que se render às fracas performances de Will Smith e Margot Robbie (O Lobo de Wall Street) e inserir muletas narrativas que enfraquecem o projeto. Felizmente, a qualidade no roteiro compensa os artifícios usados para tornar o resultado final mais palatável ao grande público (e, claro, aos fãs de Will Smith).
Smith interpreta Nicky, um golpista de alto escalão que tem várias pessoas trabalhando para ele em um grande esquema de pequenos roubos produzidos em massa e garantindo assim uma margem de lucros considerável. Seu primeiro encontro com a voluptuosa e inexperiente Jess (Robbie) é ágil e orgânica, pois envolve um tipo de golpe e serve como explicação ao espectador de como as coisas funcionam nesse universo, além de já estabelecer uma relação pupila/mestre que será usada em diferentes momentos da trama.
O grande problema em Golpe Duplo – que nem é tão grande assim – é mais uma questão de expectativa. Somos brindados com o melhor momento do filme na sua primeira metade, durante uma sequência de apostas extremamente bem arquitetada e que prende a atenção do espectador através de pequenos e relevantes detalhes combinados: um breve momento na cena anterior em que aprendemos que Nicky pode ser viciado em jogos, a música evocativa de Wall Street (2010), o uso de uma profundidade de campo que vai se reduzindo na mesma proporção que o foco, forçando o título do filme (originalmente “Focus”) ao seu próprio limite. Dessa forma, não me admira que o final, por mais drama e adrenalina que ele tente arrancar, não irá surtir o mesmo efeito, já que nós, espectadores, fomos ensinados por completo a respeito da arte de engambelar as pessoas, mesmo que para isso arrisque uma certa dose de probabilidade.
Probabilidade, aliás, é o que não ajuda na segunda metade da trama, já que Nicky e Jess se encontram em um outro país em uma situação claramente forçada pelo roteiro que parece querer fazer propaganda de Buenos Aires e acaba não conseguindo explicar de forma convincente tamanha coincidência. Também não é possível explicar como Nicky muda completamente seu modus operandi, sendo que ele chegou a dizer na primeira metade que esse negócio de “grande golpe que vai nos levar à aposentadoria” não passa de ilusão. Da mesma forma a maioria dos momentos com o casal serve apenas para fazer o tempo passar e vermos o par romântico junto. Prova disso é que as inúmeras vezes que Jess bate a carteira de Nicky acaba virando mais uma muleta à parte.
Aliás, a interpretação, ou melhor dizendo, o uso de Will Smith é no máximo adequada. Não se pode dizer o mesmo de Margot Robbie, pois há uma diferença de tom entre enganar e fingir que está enganando, e a personagem de Margot não cresce devido a essa limitação de uma atriz que parece presa ao estereótipo de coadjuvante (melhor se saem os divertidos Adrian Martinez e BD Wong). Will não chega a ser tão melhor que Robbie em seu papel, mas sua persona pública faz o resto da interpretação funcionar, e talvez nesse sentido suas verborrágicas explicações sejam necessárias, diferente do impecável e mais visual Nove Rainhas. Pelo menos o filme com Ricardo Darin sabia a hora de parar com tanta didática. O público muitas vezes não gosta de ser enganado sem saber o truque, mas se sente mais desconfortável ao descobrir que o truque é ainda pior que a magia por trás.
“Focus” (EUA, 2014), escrito e dirigido por Glenn Ficarra e John Requa, com Will Smith, Margot Robbie, Rodrigo Santoro, Adrian Martinez. BD Wong e Gerald McRaney