Pronto. Agora você pode considerar a série da HBO, Game of Thrones, uma das maiores e melhores da história da TV. Demoraram seis temporadas, mas agora sim a série baseada nos livros de G. R. R. Martin pode ser enxergada ao lado de bastiões como Família Soprano e The Wire. E isso graças a dois detalhes: sua unidade e, principalmente, finalmente conseguir se desvincilhar das amarras dos fãs “isso está diferente no livro”.
E fugindo daquele premissa “para quem esteve em Júpiter nos últimos 20 anos” (já que a grande verdade é que até a HBO estrear a série, ninguém falava muito dos livros), Game of Thrones é a adaptação de uma série de sete obras (Heptalogia? Está certo isso?) chamada As Crônicas de Gelo e Fogo, cujo só o primeiro volume, lançado em 1996, é batizado com a mesma alcunha da série.
O problema é que, ainda que esteja provado que Martin nem é um escritor tão demorado como se diz por ai, um calculo curioso de algum lugar da internet apontou que ele escreve na mesma velocidade de J K Rowling (Harry Potter), cada livro de suas Crônicas é um calhamaço que beira o bíblico. O que fez com que o período entre seus lançamentos crescece de dois anos entre os três primeiros, para meia década no quarto, seis anos para lançar o quinto e quem sabe quantos para que o sexto chegue às prateleiras. O que fez com que a HBO “alcançasse” o autor.
Essa sexta temporada então é a primeira a chegar às TVs sem que o livro referente à ela esteja na mão de seus chatos fãs. Sim, eles são muito chatos, e isso, ainda que pouco, prejudicava a série. Não de modo problemático, apenas como se andasse por ai sem poder engatar a quarta marcha. Mas essa sexta temporada não só engata a quarta, como a quinta e até um sexta se tivesse à mão.
Refém desse séquito de seguidores tão xiitas como os do Alto Pardal, a quinta temporada terminava com um cliffhanger que fez todos ficarem afoitos pelo começo da nova temporada. “Todos” que não conseguiam enxergar um palmo além da Grande Muralha. Mas ai que está um dos grandes acertos desse “novo momento”, a dupla David Benioff e D. B. Weiss, responsáveis pela série e que estavam pouco se lixando para isso, pela primeira vez queriam mais é contar uma história.
A dupla então deixou John Snow “morto” por uns capítulos enquanto preparava o cenário para o que realmente importava. E sem ninguém para ficar “enchendo a paciência” na internet, criaram a temporada mais concisa e interessante de toda a série. Snow e a Patrulha da Noite estavam lá, enquanto Daenerys e seu nome imenso ressurgiam vitóriosos em uma passagem pelas terras Dothraki. Sim, como todos já devem imaginar ou presumir os tais “gelo e fogo” do título original são esses dois, então imaginar que Snow estava morto era de uma ingenuidade maior que o dragão de Dany.
Mas as consistência da temporada veio do modo como a dupla de showrunners caminhou por Westeros sem amarras, mantendo sempre as características básicas da série: as intrigas palacianas e políticas, os personagens incrivelmente bem desenvolvidos, um punhado de mortes inesperadas e um apuro visual de encher os olhos.
É preciso poucos segundo para o espectador descobrir se está em Dorne, King´s Landing ou Braavos. E em uma temporada onde a premissa principal é colocar as peças bem posicionadas em tabuleiro onde se dará uma batalha que virá em seguida, o que não faltam são andanças por esse mundo. Pela primeira vez enxergamos à fundo não só o mundo das tais Ilhas de Ferro, como também seus costumes e objetivos. Na mesma esteira de novidades, a temporada ainda se fecha com a imponente e impressionante presença da biblioteca da Cidadela.
Mais do que em qualquer outra temporada, essa sexta mostra o quanto tem controle sobre seu design de produção, suas paletas de cores e sua intenção de mostrar um mundo vibrante e vivo seja para onde a história rume. E ela ruma.
Enquanto “O Cão” Sendor Clegane volta à dar as caras em um interlúdio que o coloca em rota com o caminho da sempre interessante “Irmandade Sem Bandeira”, do lado de lá da Muralha Bran consegue surpreender os espectadores com mais uma faceta da série. Dessa vez ela não só coloca os dois pés no terror com sua horda de zumbis, como conversa com a ficção científica, e de maneira incrivelmente inteligente e inesperada brinca com um paradoxo de viagem no tempo com um propriedade que poucos tem coragem de fazê-lo. Uma porta que se abre (ou que se “segura”) para tantas possibilidades narrativas que seu cérebro doi só de pensar.
E talvez esses dois exemplos mostrem o que realmente essa sexta temporada tem de melhor. A sobrevivência de suas tramas dependem quase sempre só delas mesmas. Nunca antes a série tivera tamanha maturidade para distribuir sua ação por tantas frentes independentes. O que está acontecendo em King´s Landing não influência diretamente (e quase que nada indiretamente também) os acontecimentos ao norte de Westeros, assim como longe dali Daenerys ressurge mais uma vez das chamas enquanto, mesmo em seu núcleo, mas sem sua presença, o “anão mais famoso de Westeros” precisa lidar com uma revolução e até uma iminente guerra à sua porta.
Falando em guerra, pela primeira vez nesses seis anos de série podemos estar dentro de uma guerra campal (o máximo que o espectador tinha conseguido até hoje era acompanhar pelo ponto de vista rasteiro de Tyrion duas outras situações). Dessa vez, no mesmo capítulo o espectador é presenteado com uma dupla de situaçõe incríveis. E ainda que Daenerys e seus dragões sejam divertidos acabando com a invasão à Baia dos Escravos (… quer dizer, Baia dos Dragões!) o destaque da temporada é mesmo a já famosa “Batalha dos Bastardos”. Com toda “razão de Westeros” para isso.
Além de ser dramática, poderosa, sanguinolenta e cheia de surpresas, o cuidado estético da direção é algo que ainda será citado por muitos e muitos anos. O espetáculo visual tem início com um plano sem cortes que reflete a raiva cega de John Snow, e o que segue é algo visceral, rude e que transborda uma realidade e uma força que afundaram muita gente nos sofás.
E o resultado dessa batalha reflete um dos maiores acertos dessa temporada, o ponto alto de uma série que sem mostra mais madura do que nunca. Como em nenhum outro momento de todas suas temporadas, Martin (e consequentemente a dupla de showrunners) escolhem o caminho mais incrível, mas nem por isso o menos esperado. Resumindo, tudo que você imagina que pode acontecer, acontece, mas o que leva a isso é que vale cada segundo em frente à TV.
É fácil esperar pelo momento em que Sersei irá se vingar do Alto Pardal e todos seus inimigos do mesmo jeito que vem “resolvendo” seus problemas, e quando ela o faz, o sorriso no canto da boca do espectador mais sádico é um presente. Do mesmo jeito que o fim do arco de Arya é aquela vingança que todos esperavam desde alguns anos atrás. Por outro lado, descobrir a real origem de John Snow nem por um segundo pode ser uma surpresa tão grande, mas quando ela acontece através de uma linda elipse de tempo, o bebê do flashback presenciado por Bran não se transforma em seu irmão bastardo, mas sim na figura do novo Rei do Norte.
Diante de tudo isso, esperar que as duas últimas temporadas possam superar essa sexta talvez seja um pouco demais, mas recentemente um outro jovem clássico da TV, Breaking Bad surpreendeu a todos com uma sucessão de temporadas acertadas que terminaram em um enorme climax e colocarm a série diretamente no Olimpo da TV. E pode parecer exagero, mas Game of Thrones, depois dessa sexta temporada já garantiu seu lugarzinho lá na morada dos Deuses, sejam Os Sete, o Afogado ou o das Mil Faces.