Não se enganem, Guerra ao Terror é sim um dos melhores filmes de 2010, mesmo que para sua surpresa ele se encontrasse nas prateleiras das locadoras desde o meio do ano passado. Tal decisão precipitada (leia-se erro), da distribuidora pode parecer absurda, mas na verdade é extremamente coerente, já que a produção teve uma fraca carreira nos cinemas dos Estados Unidos, não primava por um elenco lá muito conhecido e por fim era assinado pela mesma diretora do rei da Sessão de Sábado Caçadores de Aventura (além dos fracos Estranhos Prazeres e K-19) Kathyrin Bigelow. O que ninguém contava, talvez, é que dessa mistura saísse um filmaço.
Mas não espere um filme gigantesco e apoteótico (como a última investida do ex-marido de Bigelow, James Cameron), mas sim um pequeno, mas com uma história que quase não cabe nele, crua, verdadeira e pertinente, que acompanha o dia-a-dia de um unidade do exército do Estados Unidos no Iraque, responsáveis pelo desarmamento de explosivos.
Uma unidade que parece afastada da guerra em si (se é que ela existe, e não apenas uma ocupação), mas que precisa conviver com a presença continua da morte em seus dias. Em poucos minutos de filme, Bigelow, faz questão de frisar exatamente isso, com a morte trágica de um dos personagens que, não só serve de fio condutor para o resto da ação, como mostra, em um discurso extremamente anti-conflito, o quanto tudo aquilo se resume a uma caixa de pertences perdidas entre mais um monte de semelhantes enfileiradas em uma sala. Como um recado para o espectador de que aqueles números de “dias restantes” para o fim da temporada do trio de especialistas pode ser uma contagem regressiva para a liberdade ou para simplesmente o fim. Trinta e poucos dias angustiantes de pura sobrevivência.
Bigelow te convida a compartilhar desse mês com seus personagens, movendo-se com eles por situações que parecem gritar a procura do pior. Como se cada sequência fosse uma certeza de não se ter certezas, sempre a espera desse desastre anunciado. Deixando o cinema com os nervos à flor da pele a cada fio cortado, cada bomba achada e tiro disparado.
Tamanho comprometimento com o clima de toda situação não se dá apenas pela história interessante, mas muito mais pelo roteiro incisivo de Mark Boal (que até hoje só tinha participado da criação da história de No Vale das Sombras, outro ótimo filme que enxerga a mesma guerra ainda de um outro modo), que parece equilibrar perfeitamente o filme entre personagens ultra desenvolvidos e situações de tirar o fôlego, fazendo ser quase impossível que o espectador, no escuro do cinema, não se preocupe com os três protagonistas, dotados de personalidade marcantes e verdadeiras, facilitando para que os jovens atores se esbaldem em ótimas performances nessa realidade ofegante.
Mas o mais importante talvez seja o como toda trama faz questão de não andar em uma linha reta e episódica, já que, mesmo que dividida em “turnos”, não se repete em nenhum momento. Só se interessando por contar, através de imagens e ações, aquilo que parecesse interessante (coisa que parece óbvia e obrigatória para qualquer filme, mas que é muito menos comum do que realmente é), não deixando lugar para mais nada, em um filme enxuto e ágil (muito graças a montagem de Chriss Innis e Bob Murawski, que lida perfeitamente com todo suspense das sequências).
Contanto, a grande surpresa de Guerra ao Terror é a própria diretora, que, verdadeiramente, não parece sair tanto de seu estilo, mas que aqui consegue casar perfeitamente ele com seu filme. Bigelow continua se mostrando a mesma admiradora da ação de seus filmes interiores, só que agora conseguindo conviver melhor com isso, evoluindo seu cinema para uma combinação bem interessante entre forma e estilo. Sabendo o que tem em mãos e sendo sensível o suficiente para apontar sua visão nos lugares certos.
Bigelow opta por uma câmera nervosa para uma história nervosa (forma e estilo), não simplesmente mexida e parecendo fugir de um enquadramento, bem pelo contrário, procurando aquela mesma verdade, dita em linhas anteriores, em cada plano. Sem ter medo de encarar seus personagens de frente, diretamente em seus olhos, como se em muitos momentos tentasse procurar por alguma coisa por trás deles, mas que nem sempre é tão agradável de ser achada. Ao mesmo tempo em que cria sequências de ação arrebatadoras, ansiosas e que afundarão os espectadores em suas poltronas até seus desfechos, com um uso extremamente pertinente do slow motion (que em todos momentos aparece para prolongar o tormento daquele instante).
Do outro lado da lente, quem ganha o presente de tudo isso é o pseudo-desconhecido Jeremy Renner (que vai ser reconhecido por filmes como Swat, O Assassinato de Jesse James… e Extermínio 2), que acaba criando um protagonista rico e profundo, que se equilibrar entre o herói, trágico e atormentado, mas corajoso e destemido. Na verdade sofrendo de um vício em adrenalina que deixaria o personagem de Patrick Swayze em Caçadores de Emoção com vergonha. Renner acerta no ponto em não criar um personagem suicida, mas sim, um apenas oprimido por uma situação, que parece relevar o mundo a sua volta quando aponta para um objetivo do mesmo jeito que acaba incomodado, como em uma roupa apertada, diante de um corredor inteiro de cereais.
Guerra ao Terror pode sim ser considerado a surpresa do ano (ao lado do extraordinário Lunar), não por tirar nenhum coelho de nenhuma cartola, mas simplesmente por tentar contar uma história de um jeito sincero e objetivo, visual, pertinente e acima de tudo interessante, com personagens que se fazem preocupar e deixando uma vontade de ficar vendo mais do dia-a-dia daqueles soldados.
The Hurt Locker (2008) direção: Kathryn Bigelow com: Jeremy Renner, Antohony Mackie, Brian Geragthy, Guy Pearce, Ralph Fiennes, David Morse
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