[dropcap]H[/dropcap]ilda Hilst disse: “Não sei o que há, mas há principalmente o elogio fácil. Seria ótimo que os críticos falassem a verdade.”. Por tudo isso, Hilda Hilst Pede Contato é uma oportunidade perfeita para demonstrar a irrelevância intelectual do espiritismo, mas infelizmente, para os que ainda não conhecem a obra de Hilda Hist, esta pode ser uma péssima porta de entrada, cercada das reverências vazias e, como a própria Hilda coloca na citação, “o elogio fácil”.
Mas isso ocorre não por falta de críticos do seu trabalho, mas porque o filme apela para testemunhos que basicamente rasgam seda em elogios vazios sobre a autora. Não se trata de analisar uma pessoa e sua obra, mas apenas de a homenagear. E se o objetivo é apenas elogiar, então o filme de Gabriela Greeb cumpre este objetivo de maneira exemplar, estruturado como uma busca eterna por sinais sonoros em rádio de Hilda em sua casa, recriando a cena e a atmosfera em que isso ocorreu por vários anos com a ajuda de uma atriz, as gravações originais e uma direção que explora com propriedade visual este limiar entre a poesia e a prosa da autora.
Tudo isso ainda cria novas sensações, visuais e sonoras, que se unem à busca do sobrenatural. Note como a câmera foca nos pés das pessoas andando pela floresta, de noite e de dia, para seguir após os chamados por uma resposta pelo ar, pelas folhas das árvores, e por infindáveis fitas magnéticas que se lançam ao infinito, mas que começam (ou terminam?) nas mãos de Hilda. Essa síntese do que a autora significa tem um poder expressivo arrebatador, e poderia estar imortalizado em um quadro estático. Não em um longa metragem.
Um documentário por definição tem uma responsabilidade que vai além de documentar: vai em teoria em busca pela verdade. Mas dificilmente será difícil arrancar a verdade, ou explorar mais de um lado, sobre uma pessoa que já morreu. Através dos seus entes queridos as críticas somem, a pessoa é beatificada. Vira uma santa em formato líquido, vibrante, e que nunca erra.
Amada por tudo e por todos, seus amigos falam mais de uma vez a facilidade com que ela transitava e conversava com pessoas e obras das mais humildes às mais eruditas. Explorando a amizade com físicos teóricos e bebendo de filósofos metafísicos como Kierkegaard, fica fácil entender porque a totalidade dos seus amigos lembram uma elite brasileira no formato classe média “esclarecida”, intelectualizada, que come macarrão e bebe vinho até dormir, e vai nos seus sonhos ter seus delírios de poder.
Enquanto isso, não vejo em nenhum deles a figura do humilde, do simples, deixando claro que a autora, embora transitando por inúmeros níveis de esclarecimento, nunca criou nenhum laço mais duradouro do que o tempo para criar mais uma bela história sobre a lenda do bom humilde.
Nem laços sobrenaturais ela criou. Quando analisamos suas fitas gravadas percebemos que seu comportamento em nada difere ao de uma criança mimada e petulante. Certa que basta chamar os nomes certos da maneira certa para que essas figuras já mortas se unam ao seu projeto aparentemente solo, com o tempo ela passa à raiva de não obter resposta e à barganha de quem deseja ansiosamente que tudo aquilo que ela imagina não passe de fé cega.
Em determinado momento ela admite para si mesma que a fé brota de cada um; não depende de evidências. Mas logo em seguida conclui: “mas seria tão bom se eu tivesse alguma prova… pelas pessoas que têm medo da morte”. Ela se exclui da massa de tementes, mas não desiste da busca. Porque é muito boa, claro.
“Hilda Hilst Pede Contato” (Bra, 2018), escrito e digirido por Gabriela Greeb, com Luciana Domschke, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles, Fernando Lemos.