Histórias Íntimas tinha tudo para chamar a atenção sem quase nenhum esforço. A mistura de documentário com alguns momentos onde atores encenam certas passagens já conquista seu público de modo eficiente diante da premissa de olhar pelo buraco da fechadura do Brasil Colônia. Mas essa ideia vai longe demais e perde o rumo.
O filme nasce do best seller homônimo escrito por Mary Del Priore, que ainda participa do filme quase como uma mestre de cerimonias, posicionando o espectador dentro da história e carregando todos pela mão pelos lascivos corredores de alguns séculos do Brasil.
Dirigido por Júlio Lelis, entrecortando a entrevista com a autora, alguns textos da época ainda são encenados por um grupo de atores, como um teatro que refaz as palavras originais dos documentos históricos. E o absurdo de certos momentos é mais que suficiente para ajudar todos a embarcar nessa viagem no tempo.
Mas como eu disse, essa viagem chega muito perto do nosso presente, o que torna a jornada cansativa e muito menos interessante à partir do ponto que chega no século XX e deixa tudo próximo demais. Fica de lado a curiosidade e entra em cena uma repetição de assuntos já explorados demais e que caminha em certo ponto até para um lado panfletário e desinteressante.
Por sorte, a primeira parte, que mergulha desde o descobrimento até o final do século IXX, faz todo esforço valer a pena. E isso principalmente diante da precariedade com que o assunto é discutido pela cultura e até pelos meios acadêmicos. Tudo então surge como novidade, cada detalhe sórdido, cada poema erótico, atrocidade sexual e hipocrisia.
Histórias Íntimas se esforça para desvendar mitos e verdades e consegue ganhar um ritmo interessante com essa montagem teatral que esfrega na cara ainda mais os absurdos da época. Textos originais que colocam o espectador dentro desse mundo. Uma opção inicial acertada que se contrapõe ainda mais com o segundo momento do filme onde ele se deixa levar por outras entrevistas e a procura desnecessária por provar um ponto de vista que já tinha sido provado.
É lógico que grande parte da selvageria de outras épocas se dá sobre a imagem da mulher (assim como dos homossexuais), então ter que chegar mais perto do contemporâneo só enfraquece o interessante momento inicial. É claro ainda que isso só se dá com o intuito de tentar cobrir todo o cenário da sexualidade no país, mas fica a questão se isso seria realmente necessário diante de tamanho momento interessante com o qual abre o filme.
A discrepância é tão grande que em certos momentos ¿mais recentes¿ até a participação de Mary Del Priore parece ser deixada de lado. E mesmo que Lelis use suas entrevistas de modo burocrático e até meio ¿quadradão¿, a quantidade de informação compensa a falta de qualidade estética.
De qualquer jeito, olhar pelo buraco da fechadura da nossa própria história é algo tão interessante e divertido que acompanhar tudo isso é um prazer que faz Histórias Íntimas valer a pena mesmo com uma escorregada que faz metade do filme definhar diante do desinteresse. Mas como eu disse lá no começo, enquanto o filme não perde o rumo e vai longe demais, no resto do tempo o prazer é digno do assunto que o filme consegue explorar.
*Esse texto faz parte da cobertura do 2° Santos Film Fest
¿Histórias Íntimas¿ (Bra, 2015), escrito e dirigido por Júlio Lelis, com Mary Del Priore, Nádia Lippi, Cristhina Prochaska, Lea Garcia, Luciano Szafir, Nélida Piñon, Ivan Lins, Jeano Wyllis e Lucélia Santos.